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A mostrar mensagens de janeiro, 2021

A minha amiga Maria Emilia

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Há dias em que, antes de nos sentarmos para escrever, puxamos uma braçada de flores do campo para cima da mesa, não vá acontecer que as palavras se nos fujam, ou que não as encontremos no seu melhor, e mais fiel significado, necessitando que os malmequeres, o alecrim, a giesta… nos ajudem compondo de verdade, a forma e o perfume do sentir que queremos contar. Esta tarde escrevo com a minha mesa inundada de flores. Muitas, e de todas as cores que conheço. É verdade, e também trouxe gargalhadas, imensas e gordas, aos molhos ou dispersas por aqui, porque vou falar da Maria Emilia. Caminhando devagar pela galeria de memórias que guardei da primavera de 1992, quando a conheci na altura em que eu terminava o Serviço Militar, e começámos a trabalhar juntos numa empresa farmacêutica que tinha sede no Prior Velho, eu, que tinha então menos de metade da idade de hoje, vejo-me mais envelhecido. Consigo até vislumbrar-me aborrecido e irritante, por entre tantas certezas e inabaláveis convi

Entre a melancolia e a pressa…

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Às vezes, por sentir o tempo passar depressa, tenho a sensação de que vim até aqui, espreitar o futuro, mas que não tardarei a regressar ao dia a que pertenço, e onde a caderneta de cromos está aberta, com um tubo de cola ao lado, sobre a mesa da sala, nesse dia que se rende à noite ao som de histórias contadas ao redor de um velho estrado de madeira que tem uma braseira no centro, para onde eu gosto de atirar, discretamente, poejos, grãos de pimenta… divertindo-me com a reação da gente que me acompanha. Gente que eu julgo eterna, porque a morte é apenas um conceito explanado, muito ao de leve, no livro de Ciências da Natureza. Algo que ainda não passou e fez doer. Gente como eu, de calções e um ar catita, que me espera na travessa do Senhor João do Forno para que possamos continuar a brincadeira que interrompemos só para eu poder vir até aqui. O Manuel, o João Paulo, o Pedro, os dois Paulos… Mas às vezes, nestes dias longos de não sair de casa, olho o terreiro lá fora com os pou

Este assento que o ser nos pede…

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Nota prévia: este texto está salpicado de vermelho, porque assim se nos soltam as palavras quando temos os lábios pintados de tal cor. Há muito que tomei o costume de ver-me nos espelhos que o pensamento oferece, na esquina de qualquer silêncio e, sobretudo, nessa profusão de imagens que, generosamente, me acodem sempre que os olhos descansam, cerrando-se a tudo aquilo que possa existir ao redor. É este o meu retrato mais verdadeiro, declinando as procurações que suspendam o juízo e o cuidado de mim próprio, substituindo-o pelo julgamento do olhar alheio, de quem me observa desde fora, de mais longe, ou de mais perto. E esse que eu sou, na sala dos espelhos do pensamento, desdobra-se depois em mil palavras, gestos díspares ou considerações diversas, porque eu não sou uma ilha no mar de muita gente. Perguntar-se-ão, e com total legitimidade, qual o porquê deste introito, e destes desabafos. Eu explico. Estamos em mais um confinamento, voltamos a estar fechados em casa, e eu

Liberdade 2021

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  Quando eu nasci, em julho de 1966, a minha terra dividia-se entre ricos e pobres. Os primeiros, por serem, em geral, “generosos” na esmola e muito chegados ao poder vigente, recebiam a designação de “Boas Famílias”, os segundos só poderiam aspirar ao título de “Boas Pessoas”, se conseguissem ser submissos. Dizia-se que a moral contava muito para estas apreciações, sem ter em conta que os adultérios, os filhos ilegítimos, e outros vícios de alcovas privadas, eram transversais a uns e a outros, sendo bem melhor camuflados por quem tinha posses para adquirir cortinados de veludo. Havia o pensamento, esse tão incómodo pensamento, e essa revolta dos pobres, “más pessoas”, a clamarem por justiça e liberdade, mas então, invariavelmente pela calada da noite, surgiam uns senhores vestidos de negro que esmurravam a ousadia sob a luz ténue dos candeeiros de petróleo. E num dia de primavera chegou a liberdade. Diga-se, assumida e orgulhosamente, a 25 de abril. Os ricos chamaram-lhe inqui