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A mostrar mensagens de junho, 2021

A liberdade “esteve” a passar por aqui

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No verão de 1996, acompanhado pelo meu amigo João Paulo, cheguei à estação central de Budapeste, vindo de Viena no Expresso do Oriente. Sem Poirot e sem qualquer crime a bordo. Cerca de sete anos após a queda do muro e da cortina de ferro, deparei-me com uma cidade suja, de ruas infestadas de lixo, onde a única preocupação tinha sido retirar os símbolos comunistas, cujas sombras ainda estavam visíveis na pedra dos edifícios. A senhora que nos vendeu os bilhetes para o metro, muito empenhada no seu tricot, e incomodada pela nossa presença, praguejou mil desaforos na sua língua nativa enquanto soprava. Fomos assaltados nessa viagem de metro, com grupos de homens a rasgarem-nos as mochilas, e sempre que nos sentávamos numa esplanada para tomar um café, poderíamos colecionar dezenas de panfletos que publicitavam bordéis e sexo a bom preço. Em Budapeste, como em tantos outros lugares, sem o menor civismo, na ausência da autoridade e do pudor, a liberdade era celebrada dessa forma ab

Chamar o verão

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Entre a gente acomodada e os gatos rebeldes que insistem chamar o verão, eu preferirei sempre os segundos, até porque eles são o motor de conversas bem mais interessantes. Às vezes a chuva parece desmentir-nos o solstício, junho e este quase São João, mas existe sempre uma janela alta, que, mesmo fechada, nos servirá de abrigo enquanto insistimos, damos fôlego ao grito e chamamos o verão. O melhor de uma janela será sempre esta perspetiva que ela generosamente oferece bem para lá de nós, muito mais do que a luz que aporta para os sofás de veludo aonde gostamos de nos sentar, quiçá entretidos em dissertações sábias sobre o “vamos indo” e o “muito riso, pouco siso”. Sentados, crescidos na idade, mas adeptos das viagens de carrossel, colorida ilusão de movimento em redor de um eixo que somos nós mesmos. O riso ateia e celebra os bons pensamentos, elevando-os aos sonhos, e o “vamos indo” é infinitamente mais mortiço do que estar quieto num sítio de que se goste. Quem acredita não

Surfar a superfície do tempo

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Vivemos entretidos a surfar a superfície do tempo, não deixando, de nós, nada mais do que traços coloridos que, mais cedo ou mais tarde, acabam dissolvidos nas brisas salgadas. Somos a rima, muito mais do que o pão da palavra, e, fugindo à dor da apneia do mergulho que nos ofereça profundidade e dimensão, esperamos passivamente, e comodamente sentados na praia, o alimento que a maré cheia possa trazer, e abandonar sobre a areia. Que importa se somos apenas dois dedos de gente, se a nossa sombra, projetada sobre a parede branca, e pelo impulso de uma luz qualquer, nos oferece contornos de super-homem? E pudessem os gestos ser embrulhados em aspas, e a narrativa de tudo isto que queremos mostrar, seria devolvida à justiça de uma citação, de um ser alheio e distante. Se as cruzes traçadas sobre o peito pudessem acordar e ressuscitar as almas. Se libertássemos os livros da “falta de tempo”, e as palavras dos poetas fossem mais do que meros adornos de montras com pernas. Se os beijos retoma