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A mostrar mensagens de março, 2019

Estes dias sem botox…

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A meio de uma tarde de primavera, e vindo de norte para sul, cruzei no outro dia, o vale do rio Douro, comprovando pela milésima vez, que esta é uma das rugas mais extraordinárias com que o tempo marcou a face e a idade da Terra. Horas antes, tinha entrado numa igreja em Vila Real, e tinha-me deparado com a azáfama de duas senhoras que cobriam com panos, duas imagens de santos já colocadas nos andores. Correndo o risco de ferir a sensibilidade dos meus amigos mais ligados à teologia, permitam-me que vos confesse não ser particular apreciador do tempo da quaresma. Primeiro porque não gosto dos dias que nos afastam das flores, e depois, porque nunca será no deserto que alguém se poderá encontrar: eu sou aquilo que semeio no coração e na vida dos outros, sendo neles que me revejo e, de caminho, encontro a Deus. Para além de que esta coisa do silêncio e do ruído é tão relativa… A cruzar o Douro lembrei-me, inevitavelmente, de Torga e de São Leonardo de Galafura: “ É lentam

O repouso das gaivotas e dos mestres…

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Há dias em que as gaivotas se oferecem ao repouso nas colunas do cais, só para que os Homens tenham para si, o rio inteiro, sem desculpas para não navegar. E nesses dias, os Homens celebram os seus mestres e a partilhada sabedoria, em cada gesto de aproveitar o vento, seguindo mais adiante, para onde o coração manda. Na tarde do último sábado estive cerca de duas horas à conversa com o meu querido Padre António Simões e o meu amigo Manuel Almas, na sala dos meus pais, em Vila Viçosa. As palavras dos mestres nunca envelhecem, mesmo quando o corpo possa exprimir algum cansaço, rendido ao inevitável tempo, e as palavras dos mestres, nunca deixando de ser sábias, são simples e pequenas, cabendo com muita facilidade neste espaço restrito que somos nós. Durante esta semana partiu para o Céu, o Senhor D. Maurilio de Gouveia, Arcebispo de Évora durante 26 anos, exatamente aqueles que cruzaram a minha juventude e a de muitos amigos. Às vezes descobrimos em nós, detalhes grandes

As mãos do mesmo amor…

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Depois de algumas lições, acho que, finalmente, consegui ensinar o meu pai a fazer selfies com o mínimo de qualidade. Trazemos enraizado este hábito de apontarmos caminhos e sorrirmos para onde nos pede o coração e a vontade, agora, buscando o “buraquinho” da câmara fotográfica do i-Phone, como antes olhando o céu para sorrirmos juntos, e ao mesmo tempo, para o papagaio de papel que fizéramos de manhã para lançámos ao vento. Entre nós os dois, quem aponta o caminho a quem, muito pouco importa ou importará, porque as nossas mãos são do mesmo amor. E quem nos olhar de perto ou de longe, e nos vir como dois corpos separados, talvez não consiga intuir como respiramos a mesma eternidade, tão imune é o nosso amor ao tempo e a qualquer cansaço. O amor, sim, este sentimento de até permitir-se morrer se sentimos que a nossa essência é o ar que falta no peito do outro. Quando vamos os dois dar um passeio e eu lhe peço para fazermos uma selfie , vejo pelo sorriso que o meu pai p

Uma estrada de terra...

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A vida é uma estrada de terra que é fiel a todos os mais pequenos contornos de um rio, e a gente que vive é aquela que caminha descalça, não se resguardando das pedras, das mágoas e das sensações. De um lado teremos sempre o sal como destino, e do outro, em planícies ou em socalcos, acode-nos o pão e o azeite. Às vezes, entre a poeira e o cansaço, deixamos de ver o sol, e decidimos sentar-nos numa pedra grande, quiçá cravejada de musgo, afundando o rosto nos braços cruzados, e olhando para nada mais do que apenas o pensamento. Como se pudéssemos encontrar-nos bem e bonitos dentro de uma casa para onde entrámos depois de apagar a luz e fechar todas as janelas? Com o sol por detrás, como quem não nos quer, se nos abeirarmos da água e nos fixarmos no reflexo, nós seremos sempre maiores do que alguma vez nos julgámos, e os nossos braços erguidos e em pose de guerreiro, acrescentarão força ao argumento da nossa história. Ilusão? Nem sempre conseguimos ver aquilo que nos abr

Faces pintadas...

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Entre trocas de roupa e faces pintadas, fico sempre na dúvida se a gente se disfarça ou finalmente se revela nos dias de entrudo. A vida é de facto um imenso baile, e a senha para entrar nos salões mais requintados e virtuosos, reside tão só naquilo que se vê à superfície. Por isso, para os outros dias, aqueles de entre carnaval, escolhem-se gestos e palavras densas, opacas e alinhadas com a pretensão social, escondendo-se tanto ou tudo dessa essência que da alma emana. É a “virtude” que esconde a perversão, o “amor de família” que disfarça a violência e o desprezo pelos direitos mais elementares... e assim se poderia resumir, por exemplo, a semana que passou. Passaram ontem sete anos sobre a partida do meu tio Filipe. No seu último passeio ao campo, comigo e com o meu irmão, cerca de um mês antes de partir, levou-nos até à margem de um ribeiro e mostrou-nos a pedra branca que ali persiste, dizendo ser a preferida da minha avó Francisca, sua mãe, sempre que ia lavar a rou