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A mostrar mensagens de março, 2020

Prece dos Homens sozinhos

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Na cruz que os meus passos desenham ao encontrar-se, nos ladrilhos da varanda, com o silêncio, há sementes que saciam o melro. Foram trazidas pelo vento do Sul quando os sinos rezavam o meio dia... Louvado sejas, Senhor do Pão que não falta. Por sobre a penumbra dos templos, no repouso das catedrais, emerge ao amanhecer, o eco dos púlpitos nos gestos da gente, o “passeio” dos sacrários e destas ermidas que somos, simples, de sangue e alma, em procissão de vida nas casas, e por todos os recantos de nós... Louvado sejas, Senhor do coração dos Homens. As praças não estão vazias, apenas adormeceram, aguardando, solenes, a hora dos abraços reforçados pela vontade que a quietude deste estar só lhes impõe... Louvado sejas, Senhor da esperança. A primavera não morreu nem nos traiu a sorte, e nas rosas em botão da quietude destes nossos dias guardados, permanece a essência e a cor que a reinventará intensa e eterna... Louvado sejas, Senhor da fertilidade das horas. Na

Crónica dos dias do cerco

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Começo por vos advertir para o facto desta crónica ser um pouco ao estilo “carapaus fritos com molho de natas”, mas estes dias vão algo estranhos, baralhando-nos os conceitos e ferindo-nos os impossíveis. Ninguém nos tinha dito, e por isso estamos nós a aprender agora, que existem primaveras inacessíveis, mesmo que as vejamos, perversas, a espreguiçarem-se bem para lá das janelas. Bem gostaria eu de poder ir brincar para o jardim em frente à minha casa... Mas não. Estou em Vila Viçosa em teletrabalho e em funções de escudeiro fiel dos meus progenitores, de 77 e 79 anos. Não vá o Covid-19 reparar que existimos, ficamos em casa, e só eu é que saio de vez em quando, para fazer alguma compra, na minha terra tão estranhamente deserta. E aqui um parêntesis para dizer aos meus conterrâneos que a nossa terra é linda de monumentos, praças e casas, mas padece-me a falta dos vossos olhares. Fazem-me muita falta porque são o melhor de cá. Neste modo “aprisionado” de estar, a

Pai

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O tempo muniu-se de uma estranha ventania, e foi-nos levando aos poucos, contra a nossa vontade, as palavras, os nomes certos, os lugares... deixando-nos tristes na aparente aridez de um livro branco de onde voaram as histórias e todas as memórias bonitas que juráramos guardar. Mas nós seremos sempre o antídoto do deserto e do cansaço, porque as nossas mãos que se conhecem da raiz do berço, atam-se sem cuidarem de qualquer porquê, para inventarem rios e nos levarem juntos até ao mar. O mar onde um beijo é uma balsa segura que segue as linhas fluorescentes das estrelas, por nada, sem razão, e sem destino algum, apenas na festa de ser cúmplice do céu… E do amor, este tanto e imenso amor, que é toda a vida que permanece sobre o eclipse dos parágrafos e o voo da consciência. Pode faltar-te tudo o mais que o mundo vê, mas tu, pai, és e estarás sempre inteiro e perfeito num beijo, no nosso beijo.  

Dias que nos dão um ligeiro toque nos ombros…

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Num destes dias iremos calar de novo as fronteiras, e poremos no ar, por pura ambição e vontade, os aviões, sentando-nos lá dentro, preparados para voar, sem lastimarmos que alguém atrás de nós, não para de falar, ou de que uma criança chora no banco imediatamente a seguir. O que importa é que vamos. Aproveitaremos para celebrar esta tolerância à beira Tejo, comendo dois pastéis de Belém, enquanto escutamos a música de uns saltimbancos, a que antes chamávamos ruído, e apercebendo-nos que os cacilheiros não fazem carreiras para transportar gente entre as margens, mas apenas dançam, muitas e muitas vezes, com as águas do rio, desenhando traços alaranjados aquém ou além da ponte. Por esses dias, eu já terei acenado à senhora que se cruza comigo todas as manhãs naquela avenida junto à Fábrica da Pólvora, bem como ao rapaz que, encostado à paragem do autocarro, costuma assistir à minha irritação porque o semáforo me parou. Bem-haja, afinal, o tempo que nos bate nos ombros, rou

Lições do lado de cá da porta...

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#FicaEmCasa Lá fora, deliciosamente, o sol insiste destapar as linhas de todos os lugares a que chamamos nossos, e quase achamos perverso, o sentimento de lhes associarmos o medo. Como se o imprevisível não existisse, traindo-nos o sossego, e o bonito não pudesse carregar em si milhões de beijos bomba? Estamos sentados na sala da casa de Vila Viçosa e assistimos à missa transmitida via YouTube, diretamente da igreja de Nossa Senhora da Conceição. Eu e os meus pais, com a minha mãe a perceber finalmente que uma pessoa em Nova Iorque ou na Austrália poderia estar a seguir a celebração ao mesmo tempo que nós. Se não fossem estes dias, como saberíamos atribuir real valor àquilo que por ser tão nosso, quase lhe chamamos banal? Prometo que jamais chamarei rotina ao ato de sair de casa, tomar a bica e seguir alegremente, caminhando para o castelo, até à igreja. Se não fosse o dia de hoje, como poderia a minha mãe entender que o mundo já não tem tanto de impossível qu

Um imenso abraço invisível

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Os abraços são muito pouco de ver, e tanto de sentir, e este é o tempo ideal para os soltarmos, em liberdade, desde o jardim onde nos sentarmos na aparência de estarmos sós. Aparência, porque raras vezes estivemos tão unidos, e jardim, porque todos acharemos em casa, um poema ou um livro que nos plante rosas na sala, por entre muitas outras flores. Enquanto tivermos pensamento jamais nos faltarão janelas, e o sonho fará o resto, oferecendo-nos as asas para irmos até ao mar, buscando os nossos, para deixarmos por entre a bruma, o canto perfeito da vida, em mil versos que desmentirão o silêncio. Da vida e do amor que nos faz. Ainda que tudo nos parece triste, ainda que os dias aparentem ter muralhas de pedra... É hora de resistir, por muito mais do que cada um. Por todos. Num imenso abraço invisível, com um poema, e solto o sonho e o pensamento, porque o final desta história será um sorriso imenso a que ninguém poderá faltar.      

Conceição

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Por mais que a vida insista puxar o inverno, quem nasceu para ser abril nunca deixará morrer a primavera, em si e em todos os seus. E a Conceição foi e será sempre um abril de cravos vermelhos, liberdade, frontalidade, honestidade e vida, muita vida, sorvida até à última gota dos dias todos. Quando nos conhecemos eu ia fazer trinta anos, e tinha acabado de entrar na Pfizer, trabalhávamos com o Pedro Caeiro, nosso colega, e para além das tarefas que enfrentávamos com orgulhoso profissionalismo, íamos partilhando a vida, naquele caminho que começa onde somos colegas, e depois já não termina, porque pelo meio nos fizemos grandes amigos e nos fomos dispersando pelas coisas mais bonitas do mundo. Fui lá colher essa foto, reparando que na mesa está também o meu saudoso amigo Dr. Pedro Marques da Silva, que partiu há pouco, e de quem guardo as melhores memórias. Nos últimos anos, é verdade, eu e a Conceição afastámo-nos um pouco por detalhes infinitamente tontos perante a dimens