Mensagens

A mostrar mensagens de outubro, 2018

Janelas com vista para o sol…

Imagem
Quando um colega de um país que não Portugal, se senta ao meu lado na mesa onde iremos trabalhar em grupo durante esse dia e saca da pasta, um coelho de peluche que coloca em cima da dita mesa, fazendo uma foto com o telemóvel antes de o devolver imediatamente à pasta, o meu ar de curiosidade destravada terá motivado uma explicação. - Sempre que venho trabalhar para fora, o meu filho pequeno, não podendo acompanhar-me, entrega-me o seu boneco preferido para que eu o sinta mais perto e tenha menos saudades. Todos os dias lhe mando notícias do seu coelho. Ainda existe amor à superfície destes dias cinzentos. Amor e poesia, que são afinal a mesma coisa. Com um imenso prazer, recorto este momento e colo-o em destaque sobre a minha “agenda”, como fonte guardada no bolso de quem às vezes tem de atravessar ou provar o deserto. Depois, é à beira de instantes assim que posso garantir a um amigo que o Céu lhe devolve o seu anjo pela madrugada, ou consigo alinhavar três versos (daqu

As contra-indicações dos beijos dos avós…

Imagem
Não me recordo se algum dia alguém me ensinou a beijar os meus avós naquela idade precoce da qual não guardo qualquer memória de mim, mas tenho quase a certeza que não foi preciso, porque os beijos são detalhes que fluem naturalmente entre quem se ama. Recordo-me sim de ter quatro anos e ter caído da escada pela pressa de ir beijar o avô Joaquim que chegava do campo com um saco de limões, e lembro-me bem do aroma dos xailes das minhas avós e tias-avós, que nos ofereciam os seus braços para adormecermos felizes, sempre que vinham a nossa casa passar o serão. Se eu visse um avô vinte vezes por dia teria de dar-lhe vinte pares de beijos, e nem mesmo assim, seguindo essa regra do coração, eu consegui evitar esta presente saudade de já não os ter. Os beijos, os afagos, os olhares doces, “o meu Quim” repetido mil vezes com orgulho... semearam o melhor que possam encontrar em mim. Qualquer face lunar é da minha inteira responsabilidade. Durante um programa de televisão emitido e

Músculo e água de fé...

Imagem
Sempre que o verão partia e a aragem nos convidava a revisitar os guarda-fatos em busca de “abafos”, fechavam-se os postigos das portas e acendiam-se as primeiras braseiras, ao redor das quais ateávamos a conversa nos serões que cumpriam a mesma sina do tempo de então: não existia pressa. Nas prateleiras altas dos armários da cozinha havia conserva de tomate e taças de compotas de ameixa, abrunhos, melão... para lá da inesquecível marmelada. Aprendi há muito a tomar o melhor do verão e a guardá-lo de forma eficaz, para poder cruzar o inverno sem deixar de sentir o sol. O tempo agora é bem diferente, em tudo e também na pressa, mas quando a semana me obriga a atravessar a solidão, vejo sempre que trouxe comigo garrafas de água das melhores fontes que beijei, trouxe abraços guardados em memórias e retratos, e não há fome que me atormente, porque trouxe na mochila o pão que respira entre os milhões de versos que colhi dos dias claros. Nada nem ninguém é breve ou desprezível,

O essencial é a liberdade...

Imagem
O caminho que trouxemos desde o pranto até à liberdade está pejado do ferro oxidado das algemas que nos prendiam as mãos e os pés, e ainda guarda o cheiro fétido dos cadáveres da gente morta a tiro de opressão, gente mártir mas enorme, de quem a alma voou atando-se à nossa por um nó ousado e rebelde de marinheiro. Passaram muitos anos, e talvez o vento tenha arrastado terra, e a chuva tenha plantado ervas e flores sobre esses despojos dolorosos, oferecendo-lhe uma enganadora face de paraíso. Mas eu não quero e não irei voltar a pisar esse caminho. Aqui onde moramos temos janelas que trazem a brisa do mar, temos o canto livre dos poetas e, por mais desarrumada e suja que esteja esta rua onde moramos, ninguém nos obriga a negar o sangue e o amor que trazemos na alma. Sim, essa mesma alma que atámos pelo sonho à alma dos heróis. Poderemos varrer esta rua com ramos de giesta, criaremos novas flores para os vasos das janelas, convocaremos os cantores, os artistas, reinven