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A mostrar mensagens de junho, 2016

As asas...

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Não te preocupes pois será muito fácil encontrar-me: eu perfumei e adornei com flores de papel o minuto em que estarei sentado à tua espera. E haverá rouxinóis sobrevoando a cidade, os telhados e as torres mais vaidosas. Asas como nós em voo sobre as pedras recortadas dos zimbórios de pose elegante, mas que acabarão desfeitos nos escombros sem nunca saberem o que é guardar a Deus e voar com Ele. Sobre a nudez das nossas vidas entrelaçadas haverá túnicas transparentes tecidas de beijos. Embora o amor às vezes transborde na forma e na doçura de algum gesto inquieto, aquilo que realmente importa quase nunca se revela ao olhar. E só importa aquilo que se sente. Os minutos que se seguem àquele em que te espero, deixei-os vazios, assim sempre teremos espaço e tempo suficientes para os preencher com tudo aquilo que os sentidos nos confessarem... O nosso mundo contado em segredo no meio de toda a gente.

Quantas histórias...

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Quantas histórias se colhem na cidade onde a primavera desenhou improváveis altares de flores? Os meus passos calcam sem querer as memórias de outros de outras tardes, enquanto as lembranças me acenam por entre o silêncio e o ocaso. O sol fala mais intensamente através das sombras do que da despudorada luz sem filtros que nos encandeia; e o silêncio é o cais que nos predispõe às palavras novas, aquelas que de outra forma correriam como a água do Tejo, sem que lhe prestássemos atenção. Talvez o poeta seja um menino descalço de alma e de pés que persiste a brincar na rua onde as casas só aparentemente vão ruindo. Um menino com um moleskine vermelho na mão direita para colher tudo das sombras e do silêncio. No Cais do Sodré, a rua vazia e só minha é mais cor-de-rosa do que nunca num asfalto em exclusivo para os meus passos. E as flores... De quem mais preciso eu para lá de mim, se a primavera me deixou recantos e histórias, lembranças perfeitas de perpétuos amores?

A magia de um beijo

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A magia de um beijo explicada por palavras ditas ou escritas converte-se bastas vezes num vulgar Manual de Instruções de onde emergem detalhes anátomo-fisiológicos e reacções químicas envolvendo mais ou menos compostos de carbono. A orgânica… e quem diz um beijo pode também dizer um abraço ou algo mais que nos povoe a vida de ilusão. À entrada de Coimbra e para quem vem do acesso norte da auto-estrada A1 deparei-me hoje com um motel de nome “A fonte dos amores”. A “Quinta das Lágrimas” ficou como memória do Século XIV, geográfica e conceptualmente distante de tudo aquilo que ampare os encontros furtivos dos “Dons Pedro” e as “Donas Inês” do nosso tempo; por ali algures no sentido de quem acabou de almoçar no Rui dos Leitões e se dirige ao centro da cidade ainda com o vinho frisante a apoquentar-lhe a garganta. Rainhas depois de mortas? Mortas estarão de cansaço no cimo de sapatos daqueles de salto de quinze centímetros que parecem ter sido roubados a alguém à porta do “

Entre a cal e o céu...

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Mesmo antes do sol, é o canto dos pássaros que anuncia a madrugada, e aos poucos, enquanto a cal se espreguiça pelo casario debruado de azul na esperança de afugentar os maus espíritos, as flores rebeldes que beberam o alento da chuva e perfumam o monte brincam com o sobreiro no rodopiar lento da sua sombra que nunca se esquece de dar o meio-dia. O Alentejo é isto tudo entre a cal e o céu, o infinito onde também os meus gestos e as palavras se reencontram com a alma que por aqui permanece nas tardes do estio. Na rua à calma, uma mulher puxa do "caco da cal" e faz o pezinho antes de lavar o portado; passo e digo-lhe boa tarde, ela levanta os olhos, confirma que não me conhece e responde à saudação, voltando imediatamente ao trabalho, não sem antes acariciar o avental de um tecido qualquer. Conheço este jeito, esta dolência na voz... Sob o canto dos pássaros por entre os alperces que se esgueiram do muro do quintal da casa desta mulher. Os pássaros que ainda não vi

A lua

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De noite, quando às vezes me espreguiço, eu abraço a lua, e conto-lhe aos ouvidos os segredos que não revelo a mais ninguém. Só a lua conhece o nome guardado entre o pó das rosas que adormeceram há tempo sobre a mesa onde nascem escritos os meus versos. E enquanto a Terra se entretém a chamar e a entornar o mar sobre os seus braços de areia, a lua esconde-se nas sombras de quartos crescentes ou minguantes; ou então permanece destapada e grande, disponível mais do que nunca para o meu abraço. Eu tenho em mim milhões de quilómetros de palavras de amor que se me soltam entre o teu nome, em segredo, enquanto me espreguiço quando a noite já vai muito para lá de meia. E a lua que não desperdiça nem despreza uma só dessas palavras fica assim com mais área para as guardar, fica mais redonda e usa dizer a gente que está cheia.

As flores que persistem nos colos onde nascem os poetas…

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Nas últimas vezes que em Vila Viçosa desci a Avenida dos Duques de Bragança, passando a "Árvore do Coração" e quase em frente ao Convento da Esperança, reparei que ruiu o telhado da casa onde viviam os meus avós Francisca e Joaquim. O eco do meu grito escada acima depois de colocar a mão pelo postigo e abrir o trinco da porta: - Avóoooooo! Estará assim algures já entre o sol e as estrelas das noites claras. As casas de pedra caem para nos lembrarem que apenas se vive no amor e que os alicerces somos nós. A minha mãe terminou a leitura do meu livro "Todos os Homens podem voar" e gostou muito. Felicitou-me por ele e discutiu comigo alguns detalhes da história. Nunca ninguém merecerá tanto as minhas palavras quanto a minha mãe; tanto do amor de que falo o li e aprendi no colo que o seu olhar doce me oferece nos dias felizes. Os alicerces eternos e sábios. Na casa da avó Francisca celebrava-se o mês de São Pedro com sardinheiras e cravos nos vaso

Quem é alto vive mais próximo do sol...

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Quem é alto vive mais próximo do sol, mas em compensação, quem é baixo "chega" mais facilmente aos abraços, ficando desguarnecida muito menos área do todo com que se entrega à festa de quem ama e a quem deseja. Aqueles abraços onde se sente o sol. Quem é alto tem mais acesso às cerejas e quem é baixo consegue o mesmo benefício relativamente aos morangos; a fruta que a primavera ruboriza de luz e açúcar. Morangos e cerejas "sentados" na mesma taça e esperando por nós e por um curtíssimo intervalo desse tal abraço. O sol é pois muito mais do que o detalhe do céu que define a madrugada. Em quantas noites ele me beija nas palavras com que envolves... O sol é aquilo que se sente, intenso quando se desprende dos nossos braços nos instantes todos que desenhámos com a liberdade. Alto ou baixo? O Homem será sempre do tamanho do sol que inventar para si.

Como o vento de Lisboa que Junho pinta de lilás...

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À sombra das árvores acreditamos que o vento de Lisboa é lilás, e que dança com as nossas palavras num baile de roda e Santo António acabando por levá-las consigo para uma praça onde o tempo não ousa entrar; eterna e intensa é a liberdade que por ali mora: a nossa liberdade. Há muito que rasgámos o silêncio e voamos juntos em bando desabotoando a noite para deixar a nu uma nova madrugada. Um voo entre o pássaro e o menino no sonho que persiste pela vontade; juntos e de mãos dadas com os nossos pais ao redor das fontes que nunca se deixam amordaçar pelo verão e nos alentam generosas pela bênção de um beijo fresco de água clara. E nunca importa o desenho que do nosso rosto a água no traz; nós sabemos que somos eternos como a liberdade, e como o vento de Lisboa que Junho pinta de lilás.

Enquanto existirem palavras eu jamais viverei sem flores, sem um barco ou um avião...

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Enquanto existirem palavras eu jamais viverei sem flores, sem um barco ou um avião. E mesmo se a tinta secar e o papel persistir branco pousado sobre o tempo, eu moldarei as suas asas com a liberdade de onde brotam os meus versos, construindo uma aeronave que terá na forma e na propulsão quase tudo daquilo que eu sou. As casas vazias e sem gente são o privilégio de brincar com o sol, colhendo das sombras que ele desenha sobre as paredes, o tecto ou até o chão, as histórias a que a pobre vidraça jamais se opõe desde que dispensámos as cortinas. Como sempre… Por volta das cinco da tarde a tia fará a limonada num jarro de louça em tons de caramelo que comprou ao contrabandista que visita clandestinamente o casão ao lado do nosso quintal e que também traz o “Cola-Cao” desde Badajoz; o tempo aqueceu e a porta do congelador do velho “Kelvinator” espreguiçar-se-á perante a minha vontade de um gelado feito de pudim “Predilecto” nas formas quadradas e com um palito a fazer de pau; t