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A mostrar mensagens de novembro, 2020

Hoje, e uma imensa viagem

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Quando terminei de ler as mais de 700 páginas do romance Ulisses , de James Joyce , pude aperceber-me do tanto de “viagem” que cabe num dia apenas, para ser mais preciso, nas 19 horas do dia de Leopold Bloom , personagem principal. O dia desse romance, 16 de junho de 1904, é, inclusive, celebrado todos os anos, na Irlanda, em Dublin, conhecido, naturalmente, como o Bloomsday . É um facto indesmentível, de que há ruas que são mares, e gente que é cais aonde se aporta pelos abraços e pelos olhares. Ruas e gente, espaço e corações que cabem na mais ínfima unidade de tempo, só para nos fazerem acontecer. Tudo isso por entre o restolho de tantos e tantos desertos. Para além disso, entre as consequências de crescer, está a perda da dimensão dos espaços, que nos fazem sentir que as salas não são assim tão grandes, e que os armários não são, afinal, tão inacessíveis, juntamente com o aumento da dimensão das pessoas que nos “fizeram”, porque conseguimos vislumbrar que uma simples fati

Uma outra face do tempo

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O sábado amanheceu com o semblante de quem chora, e eu, ainda algo ensonado, enfrentei-o na face das ruas molhadas da minha terra, mas sem o mínimo tom de ressentimento. Daqui a pouco, pelas treze horas, estarei confinado em casa, mas jamais tomarei esse facto como uma traição do tempo, de Deus, ou do terreiro grande aonde brinquei. Era no sábado que íamos às compras, sem máscaras, reconhecíamos as pessoas pelo rasgar mais ou menos recortado do sorriso, e nunca mantínhamos uma grande distância, porque tal seria sinal de mal querer. Depois de ter colocado todas as compras no cesto e de ter feito a conta em papel manteigueiro, com números desenhados a lápis e a prova sempre ali ao lado, o Senhor João de Deus, dava-me uma meia dúzia de amêndoas. Sem qualquer preocupação de assepsia, e de mão para mão. - Toma lá rapaz, para te adoçar o caminho. Sabiam muito bem, até porque eu já tinha tirado uma pequena lasca de bacalhau, que estava junto à enorme faca que o cortava às postas, e

O meu pai faz hoje 80 anos...

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O meu pai faz hoje 80 anos, e digo faz, porque no contexto assumido de um amor, não existe nada de ser e de acontecer, que deva conjugar-se no passado ou no condicional, interrompendo o ímpeto de qualquer sonho. Para além da firme convicção de que está vivo… nos meus passos. Há muitos anos, e quando ainda era adolescente, o meu pai não pôde ir a Lisboa, para acompanhar a imagem de Nossa Senhora da Conceição, porque não tinha sapatos com o “mínimo de dignidade”. Foi ele, pelo seu esforço e pelo seu trabalho, quem conquistou este benefício de nós podermos andar “devidamente calçados”. Por mérito total, e enquanto eu viva, será ele o “inspirador” de todos os meus passos. O meu pai persiste na liberdade que “assassina” os estratos sociais, e nos destapa o sol. Algures no verão passado, sentado numa esplanada de Vila Viçosa, e numa discussão política, alguém argumentou que “pelo facto de eu ser originário de um estrato social superior ao teu, não tens o direito de duvidar das mi