Hoje, e uma imensa viagem
Quando
terminei de ler as mais de 700 páginas do romance Ulisses, de James
Joyce, pude aperceber-me do tanto de “viagem” que cabe num dia apenas, para
ser mais preciso, nas 19 horas do dia de Leopold Bloom, personagem
principal.
O dia desse
romance, 16 de junho de 1904, é, inclusive, celebrado todos os anos, na
Irlanda, em Dublin, conhecido, naturalmente, como o Bloomsday.
É um facto
indesmentível, de que há ruas que são mares, e gente que é cais aonde se aporta
pelos abraços e pelos olhares.
Ruas e
gente, espaço e corações que cabem na mais ínfima unidade de tempo, só para nos
fazerem acontecer.
Tudo isso
por entre o restolho de tantos e tantos desertos.
Para além
disso, entre as consequências de crescer, está a perda da dimensão dos espaços,
que nos fazem sentir que as salas não são assim tão grandes, e que os armários
não são, afinal, tão inacessíveis, juntamente com o aumento da dimensão das
pessoas que nos “fizeram”, porque conseguimos vislumbrar que uma simples fatia
de pão com manteiga, dada à hora do lanche, é um oceano de beijos de amor, ou
que um sim ou não, no momento certo, são pistas fundamentais para chegar ao
tesouro.
Ontem, ao
passar no “meu jardim”, em Vila Viçosa, cruzei-me com uma rosa vermelha que
gritava por cima de todas as outras flores, ressoando, sem dificuldade no
silêncio da gente confinada.
Entre uma
casa e outra, numa rua apenas, a viagem onde as rosas são sereias e as
laranjas, anémonas que sorriem por entre os corais.
Lembrei-me
de Ulisses, de mim e da minha gente, e de quão desprezível é o tempo e aquilo
que dele guardei, se a vida é, afinal, um dia apenas, e a verdade é esta
dimensão do espaço e das pessoas que o hoje me oferece.
“Apega-te ao
agora, ao aqui, através do qual todo o futuro mergulha no passado”.
Tem absoluta
razão, Mr Joyce.
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