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A mostrar mensagens de fevereiro, 2019

O mar e a terra

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Quando o lençol de azeite cobrir o peixe que chegou de madrugada, as mãos salgadas do herói pescador atar-se-ão finalmente às mãos frias do camponês generoso, que acariciou o barro e a geada quando o Outono já estava de partida. O mar e a terra, como o teatro e uma canção, como o silêncio dos monges e um grito de revolta na madrugada. O mar e a terra, como o jornalista e o pintor, como o navio e um avião, como o poeta e o jardineiro. O mar e a terra... ou esta essência íntima que nos mata a fome, por via da genética de unir num só, a audácia e generosidade. E o pão será sempre a liberdade. Tudo o mais são os muros perversos que se erguem entre nós e os outros com tijolos de intolerância. São cigarras, grilos falantes e gente que demitiu o cérebro e vendeu a alma para se recostar sem pagar bilhete de vergonha, no seu confortável hemisfério, quiçá até nas filas da frente, nos lugares onde o poder confeciona a censura, condenando o Homem a morrer à fome. O mar e a terra, como e

“O sol é um homem, mas a madrugada é uma mulher”

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Quando a aragem do fim da tarde parecia querer desmanchar o calor intenso do verão, os homens começavam a sair das tascas, tropeçando aqui e ali, segundo uma rota incerta, que os projetava para um e outro lado das ruas estreitas. As mulheres paravam de conversar, levavam com elas para dentro de casa, à pressa, os filhos e as cadeiras baixas, deixando que a porta só se fechasse atrás do marido, que entretanto conseguira concluir o seu etilizado percurso. Depois eram os gritos com que usa falar a dor. Era assim em algumas casas da vizinhança, quando eu era rapaz, e as mulheres, sempre entre a dor... e a dor, nem tentavam escapar da sua sorte, para não terem de ouvir as reprimendas dos seus e dos demais. Era como se não existisse outro fado, até àquela primavera em que chegou a liberdade, e o ser passou o parecer na escala de prioridades. Não tive, não tenho e nunca terei a mínima tolerância para a violência exercida sobre as mulheres, seja ela física ou outra. Abomino

Frutos dos mesmos abraços...

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Os meus e os teus livros ainda permanecem cúmplices, partilhando as mesmas estantes, e as nossas músicas, às vezes muito diferentes, cumprem igual e circular cumplicidade no rodopiar alegre do mesmo vinil. Somos fruto dos mesmos abraços, e nos alforges tecidos pelas vontades partilhadas com a lua, guardámos essas tantas palavras, escritas e cantadas, do tempo em que tínhamos camas iguais e paralelas. Parece que eu falava enquanto dormia, contando segredos, mas, entre nós, os sonhos eram mesmo coisa de repartir. Os sonhos e essa tão doce inquietação... O nosso lugar, soubemos desde cedo, esteve sempre muito para lá das estradas que diziam ser nossas, mas a persistência dos pés, mesmo cansados, calca o pó e a alma, desenhando os mais improváveis caminhos. O nosso lugar, mesmo quando o verão insistia em esconder-nos o mar, conquistava-se com o impulso e a arte dos braços sobre os troncos despidos das árvores. Os remos de onde, antes, pendíamos os baloiços. E quem não tem medo de