Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2018

Restauração

Imagem
O povo já não lava no rio porque tem o tanque na marquise ou comprou uma máquina, a prestações, na loja de um Centro Comercial. Os caixões deram lugar a urnas sofisticadas, e estas já não são talhadas com machados, sendo fabricadas em série, e chegando até nós com o patrocínio da Segurança Social. Apenas persiste quem diga que nos defende, quem continua, sofregamente, a querer comprar-nos o nosso chão sagrado, e, de forma algo atrevida, resistimos nós perante quem nos queira comprar a própria vida. A laicidade do Estado ainda não nos livrou do “ai Jesus”, nem de São Bento, que continua a confundir vinho com vinagre, “Salarizando” os Antónios por via da arrogância, muito mais do que por milagre. O carácter e a honradez estão ausentes mas constam das atas, tal qual a ubiquidade da gente que ousa vir falar-nos daquilo que mais importa: a liberdade. Por entre a amnésia generalizada e a qualidade de vida cativada, os bois trajarão velcro mas nós não nos livrarem

O último passo para o beijo das nossas mães…

Imagem
Quando o Professor Lima Martins, entre a primeira e a quarta classe, nos levava à Varandinha dos Namorados para uma aula ao ar livre, nós passávamos por debaixo da janela da Dona Luísa de Gusmão e assumíamos o seu grito e a sua ambição de ser rainha de um Portugal restaurado, não tendo dúvidas, ao chegarmos à Cegonha, que o mar se conquistava por aquela estrada. Existiam outras mas teria de ser sempre por ali: - “P’ra frente é que é Lisboa”. Crescemos e fomos estudar para o velho liceu, cujo portão era o penúltimo até ao metro zero da dita estrada. Entre os passos e os sonhos, estávamos definitivamente mais perto do mar, porque a chave seria percorrer aqueles quase cinco quilómetros adornados nas bermas por muros caiados e por oliveiras que tratávamos por tu, sobretudo na hora de buscar musgo para o presépio. Um dia partimos mesmo, e aprendemos então, o doce sentido de quem regressa. Fixámos a primeira curva de onde se avistava a torre do Paço Ducal, sentimos o gosto de pass

Regresso...

Imagem
Um a um, e muito devagar, percorro os quilómetros do caminho com a solenidade de quem venera até a mais pequena pedra. O meu berço é o sul, tenho raiz de povo, e o espaço onde nasci é um altar caiado a sol e suor, que me oferece, assim, a cada regresso um infinito de sagrado e de peregrinação. Nos lábios, a música que me assalta tem um tom dolente, pela quantidade imensa de alma que cumpre arrumar no espaço limitado da métrica dos versos. Sem bordão, com o riso e os amores na mochila, que os desamores já os chorei todos; com as mãos prontas a desenharem uma concha sob o canto fresco das fontes, não vá a força cair na tentação de adormecer. Mas hoje a água cai intensa sobre o asfalto e os campos que ladeiam a estrada, roubando-me aqui a ali, pela intensidade do nevoeiro, as árvores e os castelos que há anos me servem de referência no começo e no fim de cada jornada. Respiro fundo, aproveitando essa profundidade para me olhar de frente, de verdade, e descobrir que a essê

Viver

Imagem
Por vezes, quando me adjetivam de “estranho”, nem se dão conta de que eu apenas me esforço por cumprir o meu compromisso de liberdade. É verdade, trago-o comigo com intensidade entre os pedaços de barro encarnado, agarrado à pele queimada pelo sol e ressequida pelo vento de todas as estações. Entre o mundo e um palco, ou entre mim e uma sombra, jamais deixarei de me escolher a mim e à Terra, mesmo que nos seus mais recônditos e imprevisíveis detalhes. Viver não é esperar pelo tempo da reforma sentado num sofá confortável e com um copo de politicamente correto na mão, muito quieto para não entornar o estatuto e porque os punhos de renda atrapalham o gesto que acompanha o sorriso Monalisa, que não é sim nem não. Viver não nos permite desprezar os aeroportos de onde partem os aviões para os quais o coração nos “comprou” bilhete. Neste tanto do que sou, e do que quero, existirão detalhes mais modernos ou não, opções aceites ou não pela maioria, mas sou assim, e, legitimame

Hoje sinto-me imortal...

Imagem
Há dias em que nos despertamos com a sensação de sermos imortais, e outros dias em que colocamos uma bateria de lua no bolso, devidamente guardada da noite, por temermos que se nos fuja a claridade. Da mesma forma, há instantes em que sentimos a voz e os braços de todos os santos do Céu apoiando-nos num caminhar tranquilo por entre lagos e flores, e outros em que acreditamos que Deus se despediu de nós para ir acudir à Austrália. Sempre que Novembro nascia, íamos a Borba à feira comprar as botas, as mantas coloridas e os agasalhos, inaugurando oficialmente a época do frio, contrariado também com castanhas e bolotas assadas. Nessa altura eu acreditava que o frio tingia de negro as mãos das mulheres, quando ao fim da tarde me cruzava com elas na mercearia ou na padaria, antes de aprender que o tom que lhes carregava os dedos era consequência de um dia passado na apanha da azeitona, um dia que começava muito antes de clarear, quando a geada oferecia à Terra uma película vítrea