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A mostrar mensagens de junho, 2013

Um leque e as pequenas coisas que fazem os dias

Há alguns bons anos fui com um grupo de amigos ao Teatro Nacional D. Maria II assistir à representação da peça “O leque de Lady Windermere”, de Oscar Wilde. Para que o argumento desta comédia de costumes se desenrole na total fidelidade ao escrito pelo genial autor, é necessário que o leque, precisamente o de Lady Windermere, permaneça em cena algures esquecido num sofá. Nessa noite porém, o leque resolveu sair de cena agarrado às vistosas rendas do vestido da actriz Lurdes Norberto, que antes de o levar consigo rodopiou tanto à boca de cena que nos ofereceu a todos a oportunidade de comprovar que o fundamental acessório iria desaparecer do seu sítio. Bastou um leque prender-se às rendas de um vestido e o argumento perdeu sentido, criando-se um alvoroço mental entre os actores que chocavam no deliberado abandono das marcações, e nós acabámos por ver uma comédia dentro de outra comédia. E o teatro é sempre como a vida… E basta tão pouco para mudar um argumento. Um simples l

A dinâmica da promoção no ataque ao subsídio

Na hora mágica em que o tabuleiro do jantar está pronto e eu me sento tranquilamente para saborear a comida que preparei com base nos meus apetites diários, virando costas às notícias e olhando ao longe o Atlântico num exercício particular de relaxação a que me ofereço, há muito que me habituei ao som da campainha da porta. Não esperando visitas e sabendo que as Testemunhas de Jeová “atacam” sempre cedo pelas manhãs de fim-de-semana, já sei que entre o gás, a electricidade e a televisão, o meu momento será ferido de morte. Ontem foi como sempre assim e abrindo a porta deparei-me com um casal em que a rapariga tinha um porte que denunciava a reforma após anos de prática de halterofilia. Vinham para me vender o serviço de televisão da Optimus e chegaram no dia ideal pois estive toda a manhã sem receber SMS’s no meu telefone cuja operadora é a Optimus. Abri a porta e tentei ser simpático dizendo que estava satisfeito com o serviço de televisão que tenho contratado. Resposta da ra

Poema sem uma letra

Para a festa que na vida é mel e sorte Hora de sorrisos largos soltos no ar Notas e letras vieram sem norte Do Homem esperando, um feliz agrupar. A obra parte do sonho, que nos faz o dia Que, inspirado, o Homem torna realidade Foi rápido então o soar da melodia Porque às notas, o artista deu tom de verdade, E da poesia, a palavra brotou, Rima que à música se pudesse juntar Mas logo nas letras, o Homem notou Haver uma delas que estava a faltar. Varreu-se todo o grande universo, Dos horizontes da terra ao profundo mar Mas a letra número três, era assaz perverso Jamais alguém a pôde usar.  Triste o trovador se viu então, Não havia forma de o ultrapassar Melodia, poema e a eterna questão De jamais esta obra a poder… trautear. 

A sorte e as tômbolas numa noite quente de verão

Em Vila Viçosa, o segundo fim-de-semana de Setembro convida-nos sempre para ir além do Castelo e fazermos a festa à sombra do Convento dos Capuchos. Foi sempre assim e o arraial é ainda o melhor ponto de encontro para a reunião dos amigos. Durante muitos anos, ao certo desde 1975 e até algures no final dos anos oitenta, o meu pai pertenceu à Comissão das Festas e, de uma forma espontânea, toda a família se envolvia na preparação das mesmas. A mim, por vezes com a ajuda dos meus amigos, cabia-me a monótona tarefa de escrever 100 vezes o mesmo número, numa folha picotada e em que se destacavam 100 pedaços de papel, cada um tendo impresso um número de 00 a 99. O número que eu repetia 100 vezes em cada folha era o número de série que permitia controlar a venda das rifas e os vencedores dos prémios que se habilitavam nas quermesses e nas tômbolas que existiam no arraial. Durante a festa, lá ia eu para uma dessas “áreas de jogo”, verdadeiros casinos ao estilo rural e que mais não

Noite de São João

Onde moram as palavras doces que fizemos nossas, letras agrupadas por inspiração da alma e fiéis companheiras dessa festa nascida dos beijos que parecem sempre não ter fim? Procuro-as nesta noite, cúmplice da magia da lua, que por nós, de brilho, hoje, mais do que nunca, se agigantou. É noite se São João. Sobem no ar centenas de balões levando sonhos de encontro à lua e ao infinito, mas as palavras, essas, permanecem em mim pela força da memória que as fez enraizar por este querer com dimensões de vida. Olho fixamente a lua… E mesmo estando longe ouço as gargalhadas da gente que por cima das fogueiras que têm aroma de alecrim, salta feliz pedindo sorte, mas só até ao instante em que a chama se eleva bem mais do que aquela outra da fogueira do bairro ali ao lado. Bebe-se água na bênção de todas as fontes, e o Baptista, à luz do mais intenso luar, brilha assim, no lume aceso sobre a lenha que, zelosos, apanhámos tarde fora. E a aldeia é uma festa a que não faltam jamais as

Uma peregrinação quente e as cumplicidades dos amigos

Acabei de me instalar com os meus pais num hotel em Fátima. Desde Vila Viçosa percorremos esta manhã, todas as estradas que bem conhecemos das peregrinações que fazíamos nesta altura do ano, no final da catequese, as mesmas que mais tarde também percorríamos para participar no Encontro Animação Nacional dos Convívios Fraternos, então todos envergando uma camisola amarela, da cor do trigo, da cor da Diocese de Évora. Ao longo da viagem, e porque não somos da raça de promover silêncios, falámos sobre os nossos assuntos mais actuais, não deixando também de reviver algumas histórias que ligam muitos e bons amigos, amigos de sempre, aos locais por onde íamos passando. E desde que escrevo neste Pomar, estou em dívida para com os meus amigos relativamente à crónica da Peregrinação a Fátima mais especial das nossas vidas, o que obviamente não invalida que todas as outras tenham sido também especiais. Saímos de Vila Viçosa num sábado de Julho de 1981, cedo pela manhã, numa carrinha Peuge

Verão

É o sul que busco passando a Ponte, o campo preenchido de um já alourado trigo, o infinito horizonte bordado pela nobreza dos sobreiros, a terra a que sempre chamarei a minha casa. O sol queima e o calor turva-nos o olhar sempre que miramos mais além, neste dia mais longo, tempo e privilégio de solstício, amanhecer único e raro que nos trouxe o verão. Mas foi muito generoso o inverno e fez ressuscitar todas as fontes… Detenho o passo numa raríssima sombra do caminho (que cúmplice do sol é esta terra mais do que todas), bebendo da água por um coxo, nó de sobreiro, marca de Alentejo que me acompanha e que de aroma de cortiça tempera sempre, o saciar da minha sede. Sei que há uma casa branca que espera por mim, fresco tesouro revelado na tarde, pelo banal gesto do abrir da porta. E mesmo não sabendo quais, sei que cheirarão a campo, todas as flores que a mãe mantém viçosas na jarra grande que tem lugar cativo naquele canto reconhecido por todos como o mais nobre da casa. E a no

Gaivota

A neblina envolve cerrada, o casario da cidade, estranho amanhecer de uma intermitente primavera que pelo calendário se despede e inevitavelmente se rende ao verão. Busco em redor, mas nem a minha ocasional e muito alta janela de hoje, me traz o Atlântico, a Foz, aquele ponto onde o Douro, encaminhado pelos Rabelos que estancaram e se renderam à Ribeira, prova o mágico e inédito sabor de ser oceano. Há manhãs e dias assim… Mas jamais a neblina, manto ocasional e indomável motor de saudade, nos faz descrer que além, longe ou perto, no horizonte, há o doce azul da eterna grandeza do mar. Dita o coração as certezas que suplantam saudades e neblinas, e do coração se nos faz a fé de manter rota, e se nos nasce a garra de nunca deixar de perseguir horizontes. Cerro os olhos e saboreio o mar nessa memória que se me não apaga nunca, mas rápido os reabro ao impacto do som de uma gaivota que chegou ao parapeito. Traz-me o céu, e traz-me mais do que tudo, a certeza do mar, este voo d

As olimpíadas da esperteza

Qual futebol, atletismo, hóquei em patins, bilhar, ciclismo ou matraquilhos? Os nossos verdadeiros desportos de eleição, aqueles onde verdadeiramente somos imbatíveis, são os que constam das “Olimpíadas da Esperteza”. Sem necessidade de infra-estruturas específicas, qualquer sala de espera de um consultório com as suas cadeiras dispostas ao redor de mesas recheadas de revistas do social de há cinco anos, fornece condições para que, reunido um grupo de pessoas, se eleja o mais dos mais espertos, o chamado “Chico”. A primeira modalidade em acção nestas olimpíadas é invariavelmente o combate pela “Patologia de Ouro”, a escolha do mais doente de entre todos os presentes. Todos os participantes apresentam os seus argumentos, cada um pior que o anterior e sempre com vantagem para o último a falar pois mesmo que tenha um diagnóstico idêntico a algum dos que já intervieram, sempre acrescenta aquele rol de médicos que não conseguiram identificar a sua “doença” ou aquela TAC que a definiu

O carpir da surpresa no velório do bom senso

Uma andorinha não faz a primavera mas o subsídio de férias dos funcionários públicos parece fazer o verão, e caso o Gaspar não pague rapidamente o dito, arriscamo-nos a ter calor só lá para Novembro, “gozando” da possibilidade de em Agosto trocar o Algarve pela neve da Serra da Estrela, aproveitando para ver o pelotão da Volta a Portugal em Bicicleta com uma inédita aplicação de correntes metálicas. Mas que surpresa poderá isso causar num país que pára aos domingos à noite para ver em directo o José Sócrates a apontar o rumo para o país ou o José Castelo Branco a beijar na boca a sua Betty ao estilo “filho não gostas mas come a sopa que ela faz-te bem” (neste caso, à carteira, claro) antes de se atirar maquilhado e de saltos altos da prancha de cinco metros de uma piscina? Em Portugal, a noção de surpresa está a sofrer uma estranha e rapidíssima mutação, sendo previsível que ela possa mesmo eclipsar-se de vez às mãos homicidas deste rótulo de normalidade atribuído ao comportamento

Uma janela com vista para a revolução

Istambul, 15 de Junho de 2013. Passa pouco das vinte horas. Quando regressei ao hotel, o Point Taksim Hotel, há cerca de duas horas constatei que a Praça Taksim, a cinquenta metros, continua ocupada pelos manifestantes e que definitivamente se transformou numa atracção turística, tal a quantidade de “mirones” e de vendedores ambulantes a comercializar pão, fruta, gelados e... capacetes e máscaras. Verifico também que a polícia se perfila com Homens e viaturas em todas as ruas que desembocam na praça. Por estas estranhas movimentações, resolvo adiar a minha saída do hotel para lá das vinte horas e deixo-me ficar no quarto para “espreitar” os noticiários. Não entendo Turco, mas não há estacão de TV que não dê um claríssimo destaque a uma manifestação gigantesca de apoio ao governo ocorrida nessa tarde em Ankara. O contra-ataque do “fundamentalismo”. Estou em frente à TV mas o barulho intenso das sirenes atrai-me até ao hall do hotel onde encontro os meus companheiros de viagem

A velha Constantinopla e o brilho da liberdade

A noite de Esmirna convida a um passeio nocturno junto ao Mar Egeu, do qual o hotel está muito próximo, e nem a hora perversa para o despertar na madrugada seguinte, nos demove de concretizar tal apelo. Cruzamo-nos com vendedores de bandeiras Turcas e com as palavras de ordem da manifestação dos que defendem a manutenção do seu país como um estado desprovido das inspirações religiosas que em muitas situações limitam a vontade e a liberdade dos cidadãos. Caminho lentamente em conversa com o Sr. José que é um homem das geração dos meus pais. Somos ambos alentejanos, de localidades próximas mas conhecemo-nos nesta viagem onde ele está com a sua mulher. A conversa, que também abrange o feijão com mogango, a açorda e o ensopado de borrego, faz-se sobretudo da partilha das nossas vidas, vividas ao redor de uma revolução que nos abriu à liberdade. Não entendemos as palavras dos Turcos mas conceptualmente, estamos com eles. Chove copiosamente quando na manhã seguinte aterr

Figos, laranjas e romãs

Acordo às quatro e meia da manhã com o canto propagado pelo sistema de som do minarete da Mesquita mais próxima do hotel. Este matinal convite à oração prova claramente que os portistas não fazem mesmo a mínima ideia do que é ser Mouro. Nem eu faço e sou tantas vezes apelidado de o ser. Viro-me para o outro lado da cama e quando estou quase a adormecer, o grupo de Japoneses prepara-se para sair do hotel e como entretanto amanheceu, resolvem alinhar o seu riso com o chilrear dos milhares de pássaros que habitam na trepadeira que passa pela janela do meu quarto. Tento adormecer mas já falta pouco para que o telefone me desperte pelas seis. Mas depois do Japão, o Brasil... O grupo de Brasileiros prepara-se para o pequeno-almoço e como se acham muita graça e como acham que todos lhes achamos muita graça, resolvem oferecer ao hotel uma micro instalação da Rede Globo em formato "telenovela muito perto de si". E eu? Entre Árabes, Japoneses e Brasileiros ainda consigo concluir antes

Mediterrâneo

As oliveiras não desmentem que chegámos ao Mediterrâneo descendo do longo planalto que há dois dias nos acompanhava e que é berço de infinitas searas de trigo. Do percurso retenho Konya e esse choro das mulheres no Mosteiro de Mevlana lutando por poderem respirar o "ar santificado" por um pêlo da barba de Maomé, elemento capilar que se encontra dentro de uma pequena arca de madeira que por sua vez está protegida por uma caixa de acrílico que oferece o tal orifício à santa respiração. Diz-se que os monges se libertavam dos respectivos egos para estarem mais próximos de Deus. Se bem tentaram, não o conseguiram concretizar na morte pois as sepulturas têm dimensões diferentes atribuídas consoante a sua importância na hierarquia do mosteiro.  Os egos a fazerem a diferença. Antes como agora. E foram já as oliveiras que nos trouxeram até ao Castelo de Algodão (Pamukkale) onde a água encosta abaixo deixa um rasto branco de calcário que contrasta com os tons de verde

Capadócia

Numa festa em tons de encarnado, o sol nasce por detrás do vulcão que há milénios repousa, justo descanso do arquitecto que um dia pela sua lava esculpiu estes montes e vales, entregando-nos à imaginação as formas únicas de infinitas rochas. E de cada rocha, a mão do Homem fez abrigo, rasgando-as de portas e pequenas janelas. E da pedra nasceu uma casa. Um dia Cristo chegou para virar o tempo e mudar a História, e nestes abrigos plantados no exacto ponto em que a Ásia e a Europa se encontram, se reuniram os discípulos congregados pela fé no Nazareno, o Ichtus, Jesus Cristo Filho de Deus Salvador. E as paredes dos abrigos onde nasceram igrejas e onde a mão do Homem louvou a Deus, encheram-se de peixes, o Ichtus na língua dos Gregos. É meio dia, o sol está a pique e aqui sente-se bem que é verão. Fico para trás e por momentos vejo-me só na simplicidade de uma destas Casas de Deus nascidas na rocha. Respira-se uma simplicidade que definitivamente nos aproxima mais de Deus.

Portugal

Heróis de todos os tempos, cúmplices do mar, incansáveis construtores de paz, Homens de fé, predestinados conquistadores da liberdade. Herdeiros de Afonso e de Henrique, ínclito Infante, navegadores que pelo astrolábio e pela garra se entregaram bravos à rota de todos os sonhos... Que o destino é sempre nosso, cantado na voz dos poetas eternos: Camões, Pessoa, Sophia... mestres da alma e donos das palavras de um fado que ambicionamos maior. Do granito das serras nos inspirámos na bravura, dos avós recebemos esse sábio gesto de rasgar a terra e colher dela o pão... Conquistando horizontes alimentados pela esperança e pelo querer... e sem desistir jamais. Portugal. Mais do que um país. Língua, pátria, terra, gente, um sonho... Um destino doce e eterno que nos urge saber cumprir.

Ainda se ao menos houvesse sol…

Acordo para um sábado de Junho nessa natural expectativa de que o abrir do estore faça com que a janela compartilhe comigo a vista da Caparica e toda a curva de costa até ao Cabo Espichel. Pois, pois… Nuvens negras, chuva e só com alguma imaginação consigo vislumbrar o mar aqui pelos lados do Bugio. A gaveta dos pólos e das bermudas permanece inviolável qual Porta Sagrada aguardando o Ano Santo, e a roupa de inverno não tardará a fazer greve e a imitar os funcionários públicos, tudo pela sobrecarga de horas de serviço que lhe exijo. Mas os catorze graus definitivamente exigem mangas e pernas de calças. Faço-me a Lisboa e mergulho no mar de cartazes da batalha eleitoral de Oeiras. Há um homem que se chama Vistas, que tem a pretensão de pôr o concelho mais à frente e que não tem partido, tendo apenas, pelos vistos, uma referência que utiliza na promoção, Isaltino. A “referência” está encarcerada por má gestão, depois de ter tentado todo o tipo de recursos que os tribunais of