Ainda se ao menos houvesse sol…
Acordo
para um sábado de Junho nessa natural expectativa de que o abrir do estore faça
com que a janela compartilhe comigo a vista da Caparica e toda a curva de costa
até ao Cabo Espichel.
Pois,
pois…
Nuvens
negras, chuva e só com alguma imaginação consigo vislumbrar o mar aqui pelos
lados do Bugio.
A
gaveta dos pólos e das bermudas permanece inviolável qual Porta Sagrada
aguardando o Ano Santo, e a roupa de inverno não tardará a fazer greve e a imitar
os funcionários públicos, tudo pela sobrecarga de horas de serviço que lhe
exijo.
Mas
os catorze graus definitivamente exigem mangas e pernas de calças.
Faço-me
a Lisboa e mergulho no mar de cartazes da batalha eleitoral de Oeiras. Há um
homem que se chama Vistas, que tem a pretensão de pôr o concelho mais à frente
e que não tem partido, tendo apenas, pelos vistos, uma referência que utiliza
na promoção, Isaltino.
A
“referência” está encarcerada por má gestão, depois de ter tentado todo o tipo
de recursos que os tribunais oferecem.
Mas
isso, para o Vistas, parece ser um detalhe desprezível.
Chove
na A5, entro em Lisboa avistando as Amoreiras, e o ambiente é tal que mato saudades
das manhãs de Dezembro em que me acerco ao Centro Comercial para fazer compras
de Natal.
Sigo
pelo Rato, Politécnica, Príncipe Real…
E
já há um arraial em São Pedro de Alcântara. Finalmente vejo um sinal de Santo
António.
Abro
o vidro do carro na perspectiva de escutar alguma marcha cantada pela Fernanda
Baptista ou quiçá o “Cheira a Lisboa” interpretado pela inevitável Anita
Guerreiro.
A
aparelhagem “vomita” samba.
Lisboa
derrotada pelo Rio de Janeiro e aposto que todos os balões que pendem do festão,
verdes porque patrocinados pela Sumol, foram fabricados na China.
Finalmente
o Chiado, o sítio que pela enorme nobreza dá sempre a Lisboa um ar de festa.
Calçada
abaixo, faço slalom entre milhares de
turistas a tiritar de frio e que pela forma patética como se vestem, aposto que
tiveram de improvisar um guarda-roupa na hora de sair dos hotéis.
Facilmente
reconhecíveis, olham para nós nativos com o ar feroz com que se exige o livro
reclamações ao gerente de uma loja:
-
Mas afinal onde está o tão prometido sol.
Tomo
um café.
O
troco mete cêntimos e o empregado da Brasileira faz uma piada com o Euro.
Perdeu-se
definitivamente o respeito pela moeda única do espaço Europeu.
Continua
o mau tempo e eu sinto o apelo para voltar ao conforto de casa.
Faço-o
conduzindo em ar de passeio e cruzo-me de repente com umas carrinhas de caixa
aberta que transportam os arcos de uma Marcha de Lisboa. Desperta-me a atenção,
um par de carrinhos de supermercado decorados com laços prateados ao estilo “Barbie
Minipreço”.
O
manjerico também já foi derrotado pela Hello Kitty.
Acelero
para o meu refúgio, instalo-me no sofá, ligo a televisão e eis que de repente
um dos canais anuncia o seu melhor show semanal exibindo um tonto de
braçadeiras a atirar-se de rabo para uma piscina.
A
televisão está possessa e necessita urgentemente de um exorcismo.
Aparelhagem,
Antena 2…
Fecho
os olhos, relaxo…
Até
eu que sempre recuso a catastrofista perspectiva do copo meio vazio, começo a
pensar que passámos para os antípodas da razoabilidade, do bom senso e do bom
gosto aterrando numa patética estação espacial ao estilo de manicómio
especializado em esquizofrenia aguda.
Ainda
se ao menos houvesse sol…
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