Uma peregrinação quente e as cumplicidades dos amigos
Acabei
de me instalar com os meus pais num hotel em Fátima. Desde Vila Viçosa
percorremos esta manhã, todas as estradas que bem conhecemos das peregrinações que
fazíamos nesta altura do ano, no final da catequese, as mesmas que mais tarde
também percorríamos para participar no Encontro Animação Nacional dos Convívios
Fraternos, então todos envergando uma camisola amarela, da cor do trigo, da cor
da Diocese de Évora.
Ao
longo da viagem, e porque não somos da raça de promover silêncios, falámos
sobre os nossos assuntos mais actuais, não deixando também de reviver algumas histórias
que ligam muitos e bons amigos, amigos de sempre, aos locais por onde íamos passando.
E
desde que escrevo neste Pomar, estou em dívida para com os meus amigos
relativamente à crónica da Peregrinação a Fátima mais especial das nossas
vidas, o que obviamente não invalida que todas as outras tenham sido também
especiais.
Saímos
de Vila Viçosa num sábado de Julho de 1981, cedo pela manhã, numa carrinha
Peugeot cor de vinho com três filas de bancos conduzida pelo saudoso Padre
Armando Tavares.
Vim
eu, o João Paulo, o Manuel, o Paulo Quinteiro, a Zé Bexiga e a Zinha Duarte, então
todos pelos 15 anos de idade, com o objectivo de participar num encontro
nacional de jovens.
Na
viagem para Fátima e para não nos deixarmos dormir resolvemos iniciar um jogo
em que cada um adoptava uma marca de automóvel, contabilizando-se o número de
viaturas dessa marca que circulavam em sentido contrário. A marca com mais
viaturas ditava o vencedor.
Interrompemos
o jogo para rezar o terço, ou melhor, interrompemos mais ou menos pois quando
terminámos de rezar, o Manuel actualizou o marcador partilhando connosco
instintivamente quais os “mistérios” em que meditou durante o dito.
Trouxemos
farnel e como sempre, abundava na lancheira o que mais tínhamos em casa. Sendo Julho
e estando um dia de canícula, as ameixas que a Zé trouxe na mochila foram
óptimas pois todos nós regularizámos os intestinos e fizemos uma limpeza super
eficaz.
Dormimos
na carrinha algures debaixo de um alpendre e junto a uma torneira. A meio da
noite o Manuel julgou ouvir a torneira e foi verificar se alguém a tinha
deixado aberta, pois… era uma senhora agachada atrás do carro a aliviar a sua
bexiga, julgando que a viatura não tinha ninguém.
Regressámos
a Vila Viçosa depois de um passeio por Proença-a-Nova pela aldeias ao redor da
casa do Padre Armando e porque as gentes da Beira Baixa são do mais generoso
que existe no universo, acabamos por fazer um roteiro de “buchazinhas” com bom
presunto e com o João Paulo a demonstrar a sua masculinidade ingerindo de um
trago um cálice de aguardente, o que o pôs a fazer o resto da viagem de língua
de fora.
Com
tantos desvios acabámos por beber toda a água de Fátima que a Zé trazia a
pedido da avó para tratar as suas maleitas. Por não querermos desiludir a
senhora, voltámos a encher o garrafão em Nisa algures num fontanário público,
milagroso por certo porque a idosa senhora ao ingerir a água reconheceu que já
sentia melhoras.
Se
Deus está em todo o lado porque é que as graças de Nossa Senhora não poderão
estar em todas as fontes?
Todos
comprámos uma regueifa para levar de oferta aos papás e todos as entregámos
inteiras na chegada a casa, excepto o Manuel, o único que a transportou no colo
e com todos os cuidados. Acabou por fazer a sua entrega ao jeito de pão ralado
tal a volta que pelas cócegas o dito pão doce levou.
Nunca
poderei precisar o número de vezes que revisitámos esta viagem e são
incontáveis as gargalhadas que já demos quando nos recordamos de algum detalhe
mais escabroso, mas sei que foi por esta como por tantas outras que fizemos
juntos, com estes e outros amigos, que somos e seremos o melhor grupo de amigos
do mundo.
Para
sempre.
Criámos
nas cumplicidades deste crescer juntos, as raízes para um amor de irmãos que
nunca se apagará, o amor de irmãos de quem partilha a vida e de quem partilha…
e para o fim deixei o mais importante… a fé.
Se
é que vida e fé alguma vez se poderão dissociar.
Em
Fátima, para além das peripécias que nos fazem rir, estivemos juntos a reunir
sonhos e a pô-los activos nos projectos que nos fizeram como hoje somos.
Viemos
juntos a aprender a ser melhores.
Quanto
a mim, já paguei o prometido relatando a viagem, faltando-me apenas dizer que
estou por aqui muito bem mas sentindo muitas saudades de todos estes amigos.
Reconhecendo no entanto nessa saudade o quão indispensáveis eles são para os
meus dias.
Que bom recorda as nossas memórias e ter delas boas lembranças, ainda mais com os nossos amigos que nos encheram de alegria e felicidade.
ResponderEliminarCom um abraço.
AR