Os cravos que sorriem à janela
Na
casa de primeiro andar da minha avó Francisca, na esquina do lado esquerdo de
quem desce a Rua do Poço em direcção ao Rossio, existia uma janela grande de
madeira pintada de vermelho, adornada por estes dias de Junho, por uns vasos de
barro onde sobressaiam cravos de várias cores.
A
natureza, que a avó cuidava com mãos como mais ninguém, permitia-lhe dispensar
as flores de papel que todos fabricávamos naquela zona da Vila e que se
destinavam a celebrar o São Pedro.
Quando
a visitava, a avó Chica por vezes colhia e oferecia-me uma dessas flores, já
depois de eu ter aberto a porta pelo postigo que me permitia o acesso ao trinco
e de ter gritado o seu nome enquanto galgava os degraus da escada curva que
tinha uma acústica única.
Num
dia de Junho, no tempo em que os serões da morte se passavam em casa e porque a
curvatura da escada impedia a passagem de um caixão, os bombeiros chegaram ao
fim da tarde e fizeram passar a avó entre os seus cravos que como sempre
brilhavam à janela no mês de São Pedro.
Durante
anos, os cravos continuaram a despontar dos vasos de barro que persistiam no
seu sítio de sempre. Os anos suficientes para que eu comprovasse que o brilho
dessa janela não lhes era devido e morrera com a minha avó, ela que sempre
insistia em espreitar fazendo naturalmente sobressair o seu sorriso por entre
as flores.
Na
minha memória esse sorriso perdurará sempre, impondo-se inclusive à ruína do
edifício em que tudo, do chão ao telhado, me deixa uma enorme saudade.
São
aqueles que amamos e que nos amam, quem define a dimensão do tempo e de todos
os espaços.
Hoje,
a noite convocava-me para um agradável jantar de aniversário à beira Tejo ali
junto à colina que desce de Santa Clara.
O
repasto foi desconvocado.
O
aniversariante, meu amigo de muitos anos, está longe de Lisboa, está na terra
onde brincámos e nos ensinaram o privilégio do amor, no sítio onde o coração
lhe impõe que esteja, porque contra todos os ventos e marés, quer assegurar que
a sua mãe continue a pôr a brilhar o seu melhor sorriso à janela da casa que
será sempre a sua.
Só
ele estando ali o consegue fazer, não olhando jamais à cómoda facilidade de um
jantar que seria recheado de gargalhadas.
Sobrepõe-se
o gosto de ver a sua “flor” despontar por sobre todas as outras flores e cumpre
com generosidade a sua parte numa herança inserida no inquestionável ciclo do
amor.
Apenas
o amor vivido assim de uma forma plena e intensa consegue a profilaxia da
saudade que chegará inevitavelmente quando a vida, seguindo o seu rumo, deixar a
janela com vista para a Corredora, tão definitivamente vazia como há décadas
está para mim a janela que dá para a Rua do Poço.
Sabemos
que maior do que a dor da ausência de quem se ama é a dor do irreversível
desperdício das oportunidades de amar.
E
eu, no silêncio do meu jantar solitário, ergo-lhe orgulhoso a minha taça
desejando-lhe vida longa e muita saúde.
Por ele sinto-me muito mais rico pois grande parte do nosso valor é-nos
dado indiscutivelmente pela grandeza dos amigos que temos.
Aprendi que devemos sempre agradecer por tudo que acontece em nossas vidas, nunca sabemos o que Deus tem para nos dar, mas Ele conhece nossos corações, nossos medos e nossas necessidades...e os nossos amigos parabéns por esta lindas palavras pelo amigo que és
ResponderEliminarRUI PEREIRA
Devemos dar graças a Deus por tudo o que acontece na nossa vida, embora muitas vezes não seja assim.
ResponderEliminarNão há maior riqueza que as oportunidades que temos de amar e sabermos valorizar as pessoas que amamos.
Tanto na amizade como em tudo na nossa vida e à nossa volta.
M.Pereira