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A mostrar mensagens de agosto, 2012

Belas e tecnicamente assistidas

O final de Agosto e a preparação do visual para o regresso ao trabalho após as férias, por certo justificará as dezenas de números à minha frente na fila para cortar o cabelo, que me colocou durante alguns largos minutos em contacto com a componente feminina do cabeleireiro misto que frequento. Uma janela aberta para o universo feminino e para os segredos que ele encerra. Gordas, magras, altas e baixas? Não importa, porque todas as clientes ficam iguais depois de cobertas por larguíssimas capas negras semelhantes às que antes na minha terra se fabricavam para cobrir e disfarçar as botijas do gás. De capa, e sempre de mala ou carteira na mão, a provar que os cabeleireiros de senhora não são espaços desprovidos de amigas do alheio. Sentadas ou em movimento, porque às dezenas circulavam naquele espaço, as mulheres de capa fizeram com que me sentisse no espaço de uma edição dos Jogos Sem Fronteiras, num jogo de bonecos sempre-em-pé à espera de serem derrubados pelos elementos de

Trabalho (O regresso)

É estranha a sensação de voltar a colocar os pés em sapatos formais e não fora o reencontro com as peúgas após quase quatro semanas de férias, e os pés, relaxados e adaptados ao calçado leve e largo dos últimos tempos, não conseguiriam sequer entrar nos ditos. E então quando ao segundo dia de trabalho nos apanha a chuva? Nós ainda nem reaprendemos a andar com sapatos de sola, quanto mais ter condições para correr e fugir da água que cai. Nesta rentrée , neste meu “Pontal”, a roupa, esquecida por semanas no armário e derrotada por goleada pelas T-shirts, pólos e bermudas, parece ter encolhido, porque com um despertar assim tão madrugador ao som do toque que não ouvíamos há muito, não há hipótese de nos recordarmos dos petiscos, do vinho, das caipirinhas e sangrias, das sobremesas e de tudo aquilo que pelo facto de estarmos em férias, tornámos excepção acrescentada à nossa regular e equilibrada dieta, promovendo o aumento do perímetro abdominal. E os cintos são como o algodão: nu

Portugal 2012

Brava é a gesta de argutos artistas, Doutores instantâneos e mestres de ilusões Capados de honra, medonhos alquimistas, Sorvedouros do erário público, Fundações. Públicas, as virtudes que de Estado dão pose, Privadas, as artes de negociatas estranhas, Parcerias criadas, que a ambição sempre cose, E nas contas privadas operam façanhas. Campeões de rotundas, portagens e asfalto, De Olímpicas manigâncias, mundiais recordistas, Ganhadores de medalhas sem ter de ir mais alto, Bastando esperar Junho e mimar “os artistas”. Mata-se a justiça e cozinha-se nova lei, Destrói-se qualquer prova: escuta ou impressa, Porque a corrupção nesta República é rei, E a salvaguarda das posses, o que mais interessa. E assim, os governados sucumbem pela dor, E quem governa, diz sempre não estar mal, Nesta terra que somos e a que devotamos amor, O orgulho e a nossa luta. Para sempre, Portugal.

A gordura e o empenho na caça aos mosquitos

Em meados de 2012, a revisão pelas Finanças, dos meus rendimentos de 2010, identifica um erro a favor dos Serviços, consequência de uma má interpretação da não muito clara regra de preenchimento dos Modelos-Armadilha, minas de dúvidas e catalisadores de multas. O facto de eu ser um contribuinte exemplar, e de ao longo de mais de 20 anos nunca ter infringido qualquer regra ou faltado a alguma obrigação fiscal, torna-se irrelevante e recebo em carta registada (que me exige a deslocação à estação dos CTT), um documento de 16 páginas repletas de artigos, alíneas, decretos e portarias, daqueles documentos que antes de chegar ao segundo parágrafo já gritámos: rendição! Percebo que o documento foi feito por um “Manuel Toucinho”, escrito por uma “Isabel Banha” e mais tarde superiormente aprovado por uma “Maria Torresmo”, numa sucessão de revisões, carimbos e selos que parece não ter fim. Há um número de telefone para informações e não resisto a ligar. Passo por minutos de opções e tecl

Vencer o maligno no último feriado de Agosto

16.30 Horas do dia em que Portugal celebra pela última vez o dia de Nossa Senhora da Assunção como feriado nacional, à procura de maior produtividade e em busca da famosíssima competitividade das empresas. A Basílica da Santíssima Trindade está bem composta de fiéis e pelo linguajar, não tenho dúvidas de que são emigrantes regressados a Portugal para o gozo das férias de Agosto, muitas das centenas de pessoas que me acompanham. Viemos todos aproveitar o último feriado. O rosto da imagem de Cristo sobre o altar é realmente feio e juntamente com o excesso de ouro na gigantesca parede de fundo, perturbam qualquer alma que aqui chegue à procura de paz. O destino de martírio na tarde parece completo quando uma freira se agarra ao microfone e o torna seu em exclusivo para dar a maior concentração de guinchos que jamais julguei possível ouvir. Kate Bush, filha, és aprendiz. Atrás de mim, na assembleia dos crentes, outra septuagenária em busca de fama e por certo perturbada pelo pr

Santiago

O dia está escuro e de chuva, mas enquanto subimos a estrada ainda conseguimos vislumbrar a paisagem onde domina o verde, testemunhando que a Galiza prolonga o nosso Minho muito para norte e para lá da fronteira. Santiago é o destino, e é a Praça do Obradoiro que buscamos depois de nos enlearmos na rede de granito feita de arcos e casas baixas, que sendo simples, nos preparam para que ao primeiro olhar possamos reconhecer grande e magnificente, a Catedral. Há infinitas línguas e dialectos na festa das pessoas que sentem ter chegado onde as trouxe a fé. Há turistas e gente sem fé. Espero meia hora na fila para subir ao trono de São Tiago e quando após os meus pais, me abraço à imagem do Santo, faço-o com a convicção de o fazer ao “Pescador de Homens” nomeado por Cristo juntamente com o seu irmão, o discípulo dilecto São João. A simplicidade dos dois pescadores contrasta com o ouro e as pedras em que toco, mas não deixo de sentir a fé dos que há muitos anos, pela grandeza, pe

Doces refeições de dias felizes

Na Vila Viçosa da minha infância, sabíamos que o verão chegara quando o Serviço de Turismo da Câmara Municipal colocava grandes vasos de Hortênsias na placa da Fonte da Praça, no passeio em frente à Câmara e também em mais algum outro local de destaque da Vila. Para além dos bancos de pedra, dos troncos das árvores da Praça e do sempre fantástico cartaz do cinema colocado junto a um tronco na placa central quase em frente à Farmácia Duarte, ganhávamos locais extra para nos escondermos enquanto brincávamos às escondidas. Estava calor e por isso comprávamos gelados artesanais feitos de pudim ou de refresco, fabricados por alguma vizinha que tinha mais arte para o negócio e fazia os ditos nas formas do gelo, colocando-lhe um palito que servia como suporte para lhe pegarmos enquanto o saboreávamos. Gelados de marca, “Olá” ou “Rajá”, estes últimos com os bonecos de plástico do Franjinhas, só em dias de festa ou aos domingos, comprados no Framar, ainda sem a bandeira de Espanha na fach

À boleia de um sábado de nevoeiro

Ousadas, as nuvens desceram para nos beijar e de um claro cinza tingiram o mar, fundindo-o com o céu. Por momentos, morreu a linha do horizonte, e só a intensa brisa com aromas de algas e sal, denuncia a presença de um braço de oceano aqui por perto. A brisa, e a revelação de um pequeno barco ao longe, sombra escura e uniforme, assim criada pelo contínuo biombo de nuvens que persiste e se eterniza entre a Terra e o Sol. E há algures no barco, um Homem que lança a rede ao cinza que o envolve, teatro de sombras, ritual de esperança, prece por alimento, mais a Deus do que às águas. Ao Deus da fé, dos pescadores, ao Deus que os sinos recordam no seu repicar compassado a cada quarto de um tempo, que não fosse o soar metálico de um Avé de Fátima, e pareceria eterno. Na rua por debaixo da minha janela, surge de repente gente, um grupo que passa e ri muito alto, enquanto acelera rumo ao vazio, procurando o mar. É sábado e verão, e eles cumprem por certo o compromisso de festa agendad

Heroína à la minute

Os heróis, agarram-se convictamente aos seus ideais, e enfrentam as ondas e os ventos, quaisquer que eles sejam, não deixando nunca e por nada, de lutar pela defesa de tudo aquilo em que acreditam. Os heróis maiores emergem na defesa dos valores universais como a paz, a verdade, a igualdade e a liberdade, sobretudo quando o ambiente adverso os belisca ou compromete, não olhando ao preço, que passa muitas vezes pelo seu conforto e até pela própria vida. Nos antípodas, e a surfar nas ondas do momento, estão os oportunistas. Estes, mestres do facilitismo, são os que se fixam apenas no seu conforto e sobrevivência, não hesitando em “moldar” os seus ideais e a sua fé, tendo em conta a concretização do seu objectivo que é sempre e invariavelmente, de natureza individual. Hoje, nas páginas de um semanário, uma ex-dirigente comunista, social-democrata recente, levanta suspeitas sobre uma antiga empresa de ares condicionados, afirmando existir a possibilidade de os aparelhos montados e

O mar

Perseverante, criativo, é o nosso Atlântico na conquista destas terras do norte da península, surpreendendo-nos em cada recanto com a sua neblina e cheiro a sal, e deixando atrás de si um rendilhado de ilhas e rias, cumplicidade única entre a terra e o mar. E se das línguas e da cultura nascem as pátrias, mais do que da política vontade dos Homens, inabaláveis e fortes são as raízes comuns que nos sustentam a nós, lusas almas, e à gente do canto celta da Galiza, o povo bravo dos poemas de Rosalía de Castro. Por baixo da minha janela na Illa da Toxa há hoje uma septuagenária mulher Galega que todo o dia tem apregoado adornos feitos de conchas, na sua língua, que não deixa de ser a nossa. Vejo-a das janelas e vejo as suas conchas que ninguém compra. Mas ela não desiste. Aprendeu com o mar, a ser rija e perseverante. Somos assim, os filhos do Atlântico. E enquanto ao longe, vejo esse mar a que chamam ria, acode-me à memória o meu menino das conchas. Já não consigo precisa

Portuguese Pride

A cidade da Praia da Vitória está em festa, e a procura de um lugar para jantar, oferece-nos o bónus de um desfile etnográfico com centenas de figurantes, ilustrativo e muito fiel às tradições da gente que diariamente faz pela vida nesta plataforma atlântica. A rua principal, iluminada a rigor e decorada com tudo o que contribui para um ar de festa Portuguesa, está apinhada de gente que assiste à passagem do cortejo, e é dinâmica a interacção entre todos: público e intervenientes. Forasteiro, consigo mais disponibilidade para olhar em volta e dou por mim a não resistir “saborear” os conjuntos de azulejos que alguém se lembrou de incrustar nas fachadas, contendo o desenho do rosto dos poetas da nossa língua, assim como alguns trechos da sua poesia. Terminado o desfile passamos junto à Igreja Matriz. Tem o guarda-vento aberto, exibe o esplendor do seu altar de talha, e não resistimos a sentar-nos pois um quarteto de cordas interpreta música sacra de compositores nacionais. A fo

Açores

Com a cumplicidade da lua cheia, serena dormia ainda Lisboa quando deixei que o avião me raptasse às cumplicidades do seu sono, e, fazendo-me Ícaro feliz, me transportasse ao privilégio de espreitar o primeiro sol de Agosto, para lá das nuvens. O sol das madrugadas e da eterna luz branca de Lisboa, é meu fiel companheiro no passeio sobre o Atlântico, em busca do ninho verde do açor. Terra nascida com marca de Céu e baptizada com nome de arcanjo. Pedaço flutuante do melhor e mais perfeito Portugal. Duas horas e aí está o avião a romper as nuvens e a entregar-se à beleza irresistível de S. Miguel. Desço do sonho e olho em redor. Riem, cantam, batem palmas, falam alto num inédito idioma nervoso que casa Camões e Shakespeare com sotaque de América. Só os olhares os denunciam e os revelam como filhos da bruma, irmãos do canto de Antero ou Natália, são a gente de Nemésio e João de Melo, são eles, a gente feliz com lágrimas. Heróis de coragem, felizes pelos instantes breves de