A gordura e o empenho na caça aos mosquitos
Em
meados de 2012, a revisão pelas Finanças, dos meus rendimentos de 2010,
identifica um erro a favor dos Serviços, consequência de uma má interpretação
da não muito clara regra de preenchimento dos Modelos-Armadilha, minas de
dúvidas e catalisadores de multas.
O
facto de eu ser um contribuinte exemplar, e de ao longo de mais de 20 anos
nunca ter infringido qualquer regra ou faltado a alguma obrigação fiscal,
torna-se irrelevante e recebo em carta registada (que me exige a deslocação à
estação dos CTT), um documento de 16 páginas repletas de artigos, alíneas,
decretos e portarias, daqueles documentos que antes de chegar ao segundo
parágrafo já gritámos: rendição!
Percebo
que o documento foi feito por um “Manuel Toucinho”, escrito por uma “Isabel
Banha” e mais tarde superiormente aprovado por uma “Maria Torresmo”, numa
sucessão de revisões, carimbos e selos que parece não ter fim.
Há
um número de telefone para informações e não resisto a ligar. Passo por minutos
de opções e teclas a carregar, e sou atendido por uma “Manuela Courato” que
pelo enfado que manifesta na voz, por certo foi por mim interrompida em alguma
conversa sobre unhas de gele com a parceira do lado, ou então na escolha de
roupas no catálogo de Outono – Inverno da La
Redoute.
Não
entende o que lhe digo e nem se esforça para o fazer. Aliás, nem me ouve,
repetindo apenas e até à exaustão, a sugestão inteligente e prática:
-
Isso tem que ser visto nos Serviços. Pegue no papel e vá à sua Repartição.
Agradeço,
desligo o telefone e vou aos Serviços.
Tenho
10 números à minha frente na fila para o atendimento que avança a pi-pi-pis do
sistema electrónico, espero que as pessoas sejam atendidas a ritmo lento por
uma funcionária, “Filipa Manteiga”, que às minhas primeiras palavras me lavra imediata
sentença com o olhar:
-
Corrupto. Estás condenado e vens aqui com “tangas”.
Tento
ser o mais prático possível e vou directo ao meu objectivo: regularizar a
situação.
Depois
de três bocejos, quatro sopros e cinco olhares de enfado, sugere-me a alteração
na Declaração Modelo não sei quantos, o que faço de seguida e sem pestanejar.
Entrego
e recebo a informação de que em breve e pelo correio, me serão enviadas as
verbas para a regularização.
Passam-se
duas semanas e recebo uma nova colecção, agora de “apenas” 10 páginas, em que
uma nova sucessão de “Toucinhos”, “Banhas” e “Torresmos”, depois de mais uma
infindável colecção de artigos, decretos e alíneas, me felicitam pelo facto de
ter colaborado com as Finanças e me condenam à pena mínima de uma multa de 100
Euros, a pagar desde logo num qualquer Multibanco.
Não
hesito e pago de seguida, guardando todos os comprovativos, não vá o diabo
tecê-las.
Devidamente
informado pela “D. Filipa Manteiga” da minha Repartição de Finanças, aguardo
agora o novo aviso com o novo código Multibanco para finalmente regularizar a
situação.
E
tudo porque me enganei e não declarei um valor correspondente a 0,013% do meu
rendimento anual.
Não
reclamo nem nunca reclamei por pagar impostos. Faço-o no cumprimento dos meus
deveres de cidadão aos quais me orgulho, nunca fugi.
Exijo
no entanto, e com toda a legitimidade, que todo o dinheiro que entrego ao
Estado por esta via, seja devidamente utilizado, com escrutínio, no cumprimento
dos deveres do Estado para com os cidadãos, com particular atenção aos comprovadamente,
mais desfavorecidos.
Quem
como eu cumpre, tem o direito de exigir.
No
relato que vos fiz há um aspecto que me revolta e um outro que me deixa sérias
dúvidas.
O
primeiro tem que ver com a chamada “gordura” do Estado, e a forma como grande
parte das receitas dos nossos impostos são utilizados para pagar uma máquina
burocrática que exige níveis de funcionalismo público que são inaceitáveis.
Se
ao detectar-se um erro no IRS eu tivesse recebido um e-mail com uma declaração
idêntica às do monopólio (“Houve um engano no IRS a nosso favor, vá ao
Multibanco e pague X Euros”), o que não se pouparia em papel, selos e sobretudo
horas de funcionários.
A
multa e o que vou pagar a mais de IRS não chegam para pagar tudo isto. Tenho a
certeza.
E
o Estado está assim condenado a ser “empresa” que dá prejuízo.
E
a dúvida que me assiste tem que ver com a eficácia destas medidas de caça à “infracção”.
Os
mosquitos, como eu, somos caça fácil. Mas, e os elefantes? Alguém os caça?
Tenho
quase a certeza de que não.
Vejo-os
passear por aí com tanta ligeireza.
Todo o imposto é ruim, por isso chama-se imposto, senão chamarar-se-ia voluntário,
ResponderEliminarAs promessas de ontem são os impostos de hoje.
RUI PEREIRA