Doces refeições de dias felizes
Na
Vila Viçosa da minha infância, sabíamos que o verão chegara quando o Serviço de
Turismo da Câmara Municipal colocava grandes vasos de Hortênsias na placa da
Fonte da Praça, no passeio em frente à Câmara e também em mais algum outro local
de destaque da Vila. Para além dos bancos de pedra, dos troncos das árvores da Praça
e do sempre fantástico cartaz do cinema colocado junto a um tronco na placa
central quase em frente à Farmácia Duarte, ganhávamos locais extra para nos escondermos
enquanto brincávamos às escondidas.
Estava
calor e por isso comprávamos gelados artesanais feitos de pudim ou de refresco,
fabricados por alguma vizinha que tinha mais arte para o negócio e fazia os
ditos nas formas do gelo, colocando-lhe um palito que servia como suporte para
lhe pegarmos enquanto o saboreávamos.
Gelados
de marca, “Olá” ou “Rajá”, estes últimos com os bonecos de plástico do
Franjinhas, só em dias de festa ou aos domingos, comprados no Framar, ainda sem
a bandeira de Espanha na fachada, no Restauração, no Cortiço, no Festival, no
quiosque dos Cucos na Mata Municipal, ou em qualquer outro estabelecimento que
os tivesse em destaque.
Os
gelados concorriam assim com os rebuçados (com ou sem cromos de colecção em
anexo), as pastilhas elásticas “Pirata” e os chocolates da “Regina” que
comprávamos nas mercearias que tinham nome de gente nossa conhecida, numa
altura em que as Lojas Chinesas eram ainda uma miragem: o Joaquim Canhão, a
Maria do Acácio, o João de Deus, o Manuel Inácio, o Carola, o Mestre, a Maria
do Viegas, o Eduardo Pina, etc.
Tínhamos
ainda a opção dos Chupas de Caramelo, 100% artesanais que eram vendidos na Sopa
dos Pobres, à Rua das Escadinhas, e que foram desde sempre os melhores amigos
do negócio dos nossos dentistas.
Por
estar muito calor bebíamos refrescos comprados em pó em pacotes siameses da “Dawa”,
ou então em garrafas de Xarope de Groselha. Às vezes bebíamos “Laranjina C” mas
na maioria das vezes bebíamos os refrigerantes feitos na nossa terra e que
tinham a marca “Calipolense”. Com ou sem o berlinde do pirolito, sempre preferi
a Gasosa à Laranjada pois esta última tinha um excessivo sabor a laranjas não
muito frescas. Eram feitos na fábrica do Sr. Xico Zé, ao Rossio, que também
tinha uma tasca anexa, tinham no logótipo a nossa estátua do D. João IV, e
concorriam na região com os refrigerantes “Botas” do Redondo.
Os
bolos que comíamos eram Fintos, ou então Broas de Manteiga e de Azeite, que
raras vezes tínhamos verba para nos deslocarmos à Pastelaria Azul e comprar um
bolo mais requintado, como por exemplo o meu preferido, e que era um simples
Pão-de-Ló com cobertura branca de açúcar mas a que davam a forma de um pato.
Eram
as padarias que em geral nos forneciam os Bolos Fintos e as Broas, só tendo a
concorrência de alguma pessoa habilidosa que montava em casa um negócio de
cariz familiar. As Broas e as Empadas da D. Catarina, mãe do meu amigo Manuel,
eram sem dúvida as melhores das redondezas.
Há
alguns dias, o meu sobrinho João, então de férias em Vila Viçosa, manifestou a
vontade de um hambúrguer do MacDonalds e num passeio a Badajoz lá conseguimos
adquirir uma “Happy Meal” no restaurante da dita marca global que temos mais
próximo da nossa pátria Calipolense.
No
caminho de regresso a casa, não resistiu a perguntar-me como tinha sido
possível termos sobrevivido na infância sem a possibilidade de alguma vez adquirir
o bendito pacote de cartão com hambúrgueres, Coca-cola’s e batatas fritas,
igual ao que trazíamos na mala do carro.
Comecei
então a falar-lhe de tudo o que hoje aqui partilhei convosco, e a sua reacção
de estranheza em relação ao que eu falava, por momentos acrescentou-me anos de
vida e carimbou-me “velhice” na alma.
Não
o convencia.
Mas
como não sou de me deixar vencer, joguei alto, o meu trunfo:
-
Sabes João, os rebuçados, os gelados artesanais, os refrescos e os bolos, eram
especiais porque eram mágicos.
Fiquei
à espera da sua gargalhada que me condenasse ao ridículo, ou então da pergunta
seguinte e que seria obviamente qual a natureza da magia.
Nem
uma nem outra. Apenas o silêncio.
Será
que o convenci?
Fica-me
a dúvida e como tem boa memória e como a conversa pode regressar em breve, estou
preparado para um destes dias lhe explicar que a virtude das coisas mais simples
é a oportunidade que sempre nos oferecem para nos fixarmos no essencial.
E nesse tempo, entre vasos de Hortênsias e resistindo ao calor enorme do
Alentejo, o essencial dos nossos verões ou de qualquer outra estação, era a
amizade que sempre nos unia a todos, porque tínhamos tempo e disponibilidade
para nos conhecermos a todos, e porque tínhamos vontade de com todos fazer uma
família gigante, uma família realmente mágica.
Boa JB !!!
ResponderEliminarEstarás e envelhecer?!...
Hoje cumpri a obrigação de ir ver um amigo de infancia ao hospital e senti que me estava a despedir.Ao sair,envolto nas lembranças dos momentos que passamos juntos, revisitei alguns desses lugares e coisas que são realmente magicas. Distantes no espaço e tambem no tempo (sou mais velho)apercebo-me que os gelados as lanranjadas as "chicletes" os sumos instantaneos os bolos podiam ser diferentes mas a magia era a mesma.Por aqui o verão queria dizer: Choupal ou F Foz e aí tinhamos de juntar as batatas fritas os gelados Aguia e a bolacha americana e ao fim da tarde um espectaculo de "robertos" (marionetas). Um abraço Joaquim. Foi bom recordar
ResponderEliminarCarlos Delgado
Obrigado pela viagem que me proporcionaste ao ler o teu post e mais uma vez pelas palavras dedicadas à minha mãe. Obrigado pela tua amizade e por continuares a fazer parte da "grande família". Manuel
ResponderEliminarÉ bom voltar ao tempo de criança ,não só porque sonhamos mais porque temos emando ao nosso corpo e magia. tudo e tão verdade.
ResponderEliminarRui Pereiraa
É bom ler que há quem se lembre dos bonecos do Carrocel Magico, e fez-me recordar eu e o meu primo em Armacao de Pera a caminhar à beira da agua à procura dos pauzinhos que tivessem prémio, foi assim que eu ganhei o cão franjinhas, que era o meu preferido e os refrigerantes Dawa em pacote duplo, laranja, ananás...que bom é saber que ha quem tenha também essas mesmas memórias. Um beijinho c/ saudades :) Paula Mendonça
ResponderEliminarNão te preocupes: se está a envelhecer, é concerteza com estilo; e se o João está ou não convencido, eu depois te direi! Entretanto, alguma coisa lá ficou, de certeza...
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