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A mostrar mensagens de julho, 2021

Uma aula de eternidade

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A porta do nosso liceu era a última que poderia ver quem saía de Vila Viçosa no sentido de Borba. Talvez por isso, ao olharmos para aquela primeira curva da estrada ladeada por muros caiados, e oliveiras que se lhe sobrepunham com a legitima divindade de um altar, nós sentíssemos que o futuro poderia ser tudo aquilo que o coração mandasse. Não existiam casas erguidas, gritos ou gestos de alguém, que pudessem frenar-nos o passo e a vontade, obrigando-nos a despertar. Era tanto o sonho que respirávamos, todos juntos, entre a lírica de Camões, a fotossíntese, a trigonometria… e a amizade, que é, comprovadamente, muito mais do que um conceito. Um dia construíram um liceu novo e nós mudámos para junto da Estação do Caminho de Ferro. O mesmo sonho, já não sobre o afago dos paralelepípedos, mas sobre o ruido metálico dos carris. Em altura de greve dos maquinistas, até aproveitámos o “furo” nas aulas para irmos tomar uma máquina, aproveitando para fazer uma foto. E continuámos a

Os meus avós

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A minha avó Francisca era a melhor amiga da cal, bastando um dia breve para que as paredes ficassem divinamente imaculadas, tal qual manda o Alentejo. E ao fim da tarde, antes de devolvermos ao seu sítio, cada peça da mobília, eu invejava-lhe o olhar e o jeito que dispensavam a régua na hora de desenhar a direito, o rodapé encarnado. Fazia-me uvada, com uvas, mel e frutos secos, oferecia-me cravos dos vasos que tinha na janela que dava para a Rua do Poço, e eu ia com ela lavar a roupa ao ribeiro, com um petisco para o almoço e milhares de histórias para contar. O meu avô Joaquim trazia-nos frutos da horta, e a única vez que eu caí da escada na casa da Rua de Três foi pela pressa de o ir abraçar, quando nos vinha entregar um saco de limões. Ao tratar da terra encontrava moedas antigas que me oferecia e eu ia guardando num boneco de cortiça que fiz nos Trabalhos Manuais, no primeiro ano do ciclo preparatório. Eu ia com ele até ao colmeal, e voltávamos com peras pequenas que vendí

Os nossos longos dias que buscam as cerejas

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Os longos dias frios da neve só ganharão sentido nas manhãs em que, finalmente, trincarmos as cerejas maduras, porque só a última sílaba poderá desvendar a perfeição e o açúcar de uma rima. Na história de cada um existem parágrafos em que a Terra dorme à espera de que cheguemos nós, os seus príncipes e cavaleiros, para a resgatarmos do sono e do pesadelo, no benefício de um beijo intenso e completo, daqueles capazes de dissipar todas as dores e os silêncios de milénios. Sem punhais ou pistolas, e com nada mais do que uma alma lavada que se busca inteira e se faz maior. Responder ao ímpeto dos sonhos, tornando-nos maiores, jamais será um ato egoísta, se de amor se vive, porque quanto mais for um, muito mais seremos todos. E pelo contrário, desperdiçarmo-nos um a um, lentamente e sem brio, seria morrermos todos.   Far-se-á, quiçá, demasiado longa a estrada, com os pés gelados envoltos nos flocos brancos de um novembro triste, mas a sorte, que assim usamos chamar às cerejas, dev

Morrer seria ficarmos longe

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Sou um príncipe a vaguear descalço por um bosque de silêncio, tomando das horas, todas as bagas nascidas do tanto que fomos e que somos juntos. E sinto ainda, muito vivo, ao meu redor, o eco das palavras todas, tantas, que trocávamos. Bebo-o sofregamente, e de um trago, porque é de água fresca que se trata, e a saudade é esta dor de um dia a arder… Guardei para mim o ruído da porta a abrir-se por entre o tilintar das chaves que guardavas no bolso, e ainda espero por ele quando o sol se entorna para oeste e se aproxima a hora do jantar. Perante uma novidade, ou algo bom que me aconteça, ainda penso que terei de a partilhar contigo. Por brevíssimas frações de segundo, num carrossel do pensamento que depois, rapidamente, deixa que a razão se lhe sobreponha. Bendito o pensamento que me faz a vontade, e não te deixa “abalar”. Um ano de ausência dos nossos beijos. E mesmo sabendo que a fé me puxa o olhar para o Céu, visito-te no túmulo, e acaricio com flores frescas, essa terra tão

Obrigado

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No dia em que cumpri os meus cinco anos, muito feliz porque fazia coincidir a idade com o dia do mês de julho em que nasci, senti-me importante, e, inevitavelmente muito crescido. Afinal, entrara na antecâmara da escola. Ontem, passados cinquenta anos desde esse dia, e com um duplo cinco na idade, acho que me senti muito menos crescido, e nos antípodas da importância desse longínquo verão de 1971. O mundo dissolve-nos a importância, e os poetas com quem nos vamos alimentando, oferecem-nos esta visão de que aquilo que temos para crescer é infinitamente maior do que tudo o que já conseguimos. E ainda bem que é assim, porque um Homem que se sinta completo é uma vida suspensa e arrumada. Mas há muito que persiste desses aniversários celebrados a limonada e bolos caseiros, e de entre o melhor estão os amigos. Os amigos acendem uma vela nos instantes em que nos sentem sem sol, oferecem-nos abraços que, por terem flores, nos devolvem à primavera, e ainda que por vezes os vejamos cam