Os nossos longos dias que buscam as cerejas
Os longos dias frios da neve só ganharão sentido nas manhãs em que, finalmente, trincarmos as cerejas maduras, porque só a última sílaba poderá desvendar a perfeição e o açúcar de uma rima.
Na história de cada um existem parágrafos em que a Terra dorme à espera de
que cheguemos nós, os seus príncipes e cavaleiros, para a resgatarmos do sono e
do pesadelo, no benefício de um beijo intenso e completo, daqueles capazes de
dissipar todas as dores e os silêncios de milénios.
Sem punhais ou pistolas, e com nada mais do que uma alma lavada que se
busca inteira e se faz maior.
Responder ao ímpeto dos sonhos, tornando-nos maiores, jamais será um ato egoísta,
se de amor se vive, porque quanto mais for um, muito mais seremos todos.
E pelo contrário, desperdiçarmo-nos um a um, lentamente e sem brio, seria morrermos
todos.
Far-se-á, quiçá, demasiado longa a estrada, com os pés gelados envoltos nos
flocos brancos de um novembro triste, mas a sorte, que assim usamos chamar às
cerejas, devolve-nos sempre aos passos certeiros das promessas feitas à sombra
dos ulmeiros, nas horas em que os dedos vagueavam pelas cordas das violas, por
nada mais do que apenas breves canções.
Quando o cabelo ainda não cedera o tom às cãs, e o olhar fazia rimas com o
sol, encarando-o com o despudor dos nossos poucos anos.
A fé, ainda que por entre a dor de qualquer primavera que pareça tardar,
cumprirá sempre a essência da semente boa que nos percorre o peito varrida pelo
sangue em brasa.
Os amigos trarão a fanfarra dos abraços, e as claras fontes de água fresca,
enquanto o céu voa, brincando com as asas dos melros.
E a Terra ressuscitará, fértil, sob os nossos pés devolvidos à esperança… porque
não existe quem nasça para não ser feliz.
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