Morrer seria ficarmos longe

Sou um príncipe a vaguear descalço por um bosque de silêncio, tomando das horas, todas as bagas nascidas do tanto que fomos e que somos juntos. E sinto ainda, muito vivo, ao meu redor, o eco das palavras todas, tantas, que trocávamos. Bebo-o sofregamente, e de um trago, porque é de água fresca que se trata, e a saudade é esta dor de um dia a arder…

Guardei para mim o ruído da porta a abrir-se por entre o tilintar das chaves que guardavas no bolso, e ainda espero por ele quando o sol se entorna para oeste e se aproxima a hora do jantar.

Perante uma novidade, ou algo bom que me aconteça, ainda penso que terei de a partilhar contigo. Por brevíssimas frações de segundo, num carrossel do pensamento que depois, rapidamente, deixa que a razão se lhe sobreponha.

Bendito o pensamento que me faz a vontade, e não te deixa “abalar”.

Um ano de ausência dos nossos beijos.

E mesmo sabendo que a fé me puxa o olhar para o Céu, visito-te no túmulo, e acaricio com flores frescas, essa terra tão nossa e sagrada, o chão do barro que guarda a pele desses momentos únicos onde o amor tantas vezes se disse.

Aqui, entre as muralhas de Vila Viçosa, e a sentir o manto da Senhora da Conceição a esvoaçar, afagando-me a alma e o olhar, este é o templo privado onde o universo e Deus, por ti, me abraçam, e onde vou aprendendo que nada é ridículo, se por aí se preserva e diz o amor.

E a palavra pai, ganhou neste afago de eternidade, incensos e alturas de oração.

Também tenho as memórias.

Guardei-as todas, revisito-as, limpo-as, dou-lhes brilho, e até resolvi anotá-las, não vá o tempo subtrair-me os olhares, as lições, as histórias, as graças, as piadas, e também os nossos dias menos bons.

É verdade, confesso, que também revisito diariamente o teu último respirar, o teu rosto sereno a atravessar comigo a noite mais triste que passei, revisito o ruído da terra a ferir a manhã de sábado, caindo sobre as tábuas do teu caixão, mas tão só para confirmar que a morte não existe.

Morrer seria ficarmos longe, e nós estamos aqui, os dois.

Estaremos sempre.

 

 

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