O meu pai faz hoje 80 anos...
O meu pai
faz hoje 80 anos, e digo faz, porque no contexto assumido de um amor, não
existe nada de ser e de acontecer, que deva conjugar-se no passado ou no
condicional, interrompendo o ímpeto de qualquer sonho.
Para além da
firme convicção de que está vivo… nos meus passos.
Há muitos
anos, e quando ainda era adolescente, o meu pai não pôde ir a Lisboa, para
acompanhar a imagem de Nossa Senhora da Conceição, porque não tinha sapatos com
o “mínimo de dignidade”.
Foi ele,
pelo seu esforço e pelo seu trabalho, quem conquistou este benefício de nós podermos
andar “devidamente calçados”.
Por mérito
total, e enquanto eu viva, será ele o “inspirador” de todos os meus passos.
O meu pai
persiste na liberdade que “assassina” os estratos sociais, e nos destapa o sol.
Algures no
verão passado, sentado numa esplanada de Vila Viçosa, e numa discussão política,
alguém argumentou que “pelo facto de eu ser originário de um estrato social superior
ao teu, não tens o direito de duvidar das minhas convicções”.
O meu pai, subsiste,
e é esta forma livre de afrontar e baralhar os destinos, rasgando sem pudor, os
véus da previsibilidade com que tentam ofuscar-nos os amanheceres.
Chamemos-lhe,
se quiserem, a genética dos inconformados e dos rebeldes, a respirarem a
liberdade por todos os seus poros.
O meu pai vive,
e viverá sempre, no meu modo de sorrir.
Teremos
todos, mil maneiras de encarar um determinado acontecimento ou circunstância,
mas eu poderei sempre reduzi-las a duas principais: a da desgraça e a do meu
pai.
E esta, que
eu puxo, incessantemente, para os meus dias, sobretudo os mais inquietos, é a
raiz daquela tranquilidade e do sorriso que vocês possam reconhecer em mim.
Num Natal de
um ano que não consigo recordar com exatidão, o meu pai estava desempregado e
não abundavam presentes na noite que passávamos na cozinha da casa da Rua de
Três, mas eis que ele, pela varanda, subiu ao telhado, e à meia noite, fez com
que os poucos chocolates nos caíssem diretamente da chaminé, envoltos, é certo,
nalguma fuligem que encontraram pelo caminho.
O melhor da vida
é, sem sombra de qualquer dúvida, aquilo que sentirmos ser bênção do Céu, mas
com a sofisticação dos nossos “telhados”, às vezes tão demasiadamente cobertos,
só conseguimos vislumbrar muito pouco desse tanto.
O meu pai, vive,
e viverá sempre nesta fé de quem se “destapa” a Deus e ao Céu, não deixando
apagar a chama de qualquer Natal.
Por mais
alta e impossível que seja a chaminé.
O meu pai
faz hoje 80 anos, mas eu também mentiria se não vos reconhecesse que choro com
a saudade de não o ter aqui, sentindo que o seu olhar me faz sede, e que a ausência
dos seus beijos são a fome que emerge com a sede, por entre os trilhos de um deserto,
algures por aí.
Presumo que
seja coisa própria dos Homens, neste longo processo de aprendermos a encarar o Céu, porque eu rezo ao meu pai, todas as noites, e com esperança, a olhar a lua.
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