O barco e o tempo...
Não existe nada mais eficaz para nos fazer sentir velhos do que a fragilidade que o tempo impõe aos nossos pais. Já não brincamos sossegados na parte do barco que não dói, e somos nós quem rema na proa contra ventos de solidão, às vezes sentindo que o olhar, por ter tanto sal, já foi inteiramente tomado pelo próprio mar. A nós, por termos sorte, valem-nos então os mestres improváveis e as lições inesperadas que os dias vão trazendo até à barcaça. O meu sobrinho Luís guarda em si um mundo muito próprio onde os bonecos, durante a noite, falam uns com os outros debaixo do edredão. Porque todos os bonecos que desenha merecem ter corpo a três dimensões, pede à minha mãe, a sua avó Inácia, que os costure no tamanho que ele idealizou, sendo sempre exigente e rigoroso, rejeitando algum que não cumpra os seus preceitos estéticos. Nós somos do tamanho do sonho que fomos desenhando na intimidade da alma, exigindo-nos a vida que reunamos as condições para o concretizar na sua exata medida. E os...