As praias
Despojei o corpo, do medo e dos arquétipos, entornando depois sobre um instante qualquer, a areia toda das praias onde brinquei descalço, e que transportei, alegre, com a crucial ajuda dos bolsos das calças. Sobre essa ampulheta informal que carrega todas as eras da minha história, há um velho búzio que tomou o canto das ondas e o guardou com religiosa fidelidade, e há árvores entretidas a desenharem sombras que perfumam a matiz alourada das dunas. Desse instante em que me sentei no chão cruzando as pernas e descruzando a liberdade, afastei os contentores e a lama, varri o pó, o eco das promoções e das promessas de produtos, serviços e candidatos, sacudi as ervas já mortas, e agitei o ar impregnado de monóxido de carbono, fazendo nascer a praia que sonhei; muito a tempo de sair a navegar. Hoje, e sempre, eu sou este encontro de cor indefinida, mas muito minha; eu sou a história entrelaçada nos sonhos todos que guardei e trouxe do mar, repousando e tomando fôlego da brisa fre...