Calípolis


Somos alegres, otimistas, e temos, em geral, muita graça. Mesmo que se nos atrase o amanhecer, e não possamos ver o sol, fazemos renascer o sorriso com um chocolate quente na barraca do brinhol. E a graça? Se não a virmos a passear por aí, sabemos que estará, por certo, na Fonte da Praça.
Temos a alma gigante que é raiz de uma fé inspiradora. Por exemplo, jamais assumimos morrer, vamos sempre passar a eternidade, e descansar, para detrás de Nossa Senhora.
Somos uma terra curiosa com os detalhes doces do sul, e outros que são únicos e interessantes. Temos as alcunhas, que por aqui são anexins, e temos a dolência Alentejana presa na voz, mas também temos três aldeias que vão dar ao Rossio, e uma ilha onde se pode chegar andando, bastando cruzar a Porta dos Nós.
Sabemos onde é o paraíso. Quem desce dos Capuchos em direção ao Galandim, vira depois do convento, à esquerda, seguindo sempre pela cerca do Jardim.
Se procurarem a Rua das Escadinhas, a da Freira, a do Poço, a Corredora, a Rua dos Fidalgos ou a Rua da Guarda; a Rua das Pedras, a de Angerino, a de António Homem, a de Três, a de Cambaia, ou a Travessa do Salvador, não procurem nas placas de mármore que as enfeitam, porque esses nomes já não moram lá. Com amor, somos nós que insistimos trata-las pelas graças que lhes deram os nossos avós, e que retratam, afinal, a sua história, seja ela qual for.
Fintamos mais e melhor do que o Ronaldo, por alturas da Páscoa e do folar, comemos sopa de tomate com figos, e desmentimos o embuste dos Elvenses: a Sericaia é uma cópia com ameixa, do verdadeiro Sericá, doce trazido da India por Dom Constantino de Bragança, para o palácio fantástico que temos cá.
Temos orgulho nos conterrâneos famosos, e defendemo-los com afinco, desde a Dona Catarina, que foi Rainha de Inglaterra e inventou o Chá das Cinco, a Florbela, a Espanca, poetisa maior do amor, nos sonetos do Livro de Mágoas, Soror Saudade ou Charneca em Flor.
Somos Calipolenses desde há séculos, por André de Resende ter reconhecido na nossa terra a Calípolis, em hora de inspiração. Sim, essa mesma, a cidade perfeita, a Calípolis, de A República, de Platão.
Gostamos de ser assim e gostamos dos nossos vizinhos, até mesmo quando brincam connosco tratando-nos por Libatus ou dizendo sermos da terra da égua. Relativamente a este último ponto, sempre podemos dizer que é melhor faltar a genitália ao cavalo da estátua equestre do Dom João IV, o Rei Restaurador, do que a qualquer um de nós, mulheres e homens de grande… vigor.
Somos e seremos sempre Vila, por nome, porque por alma temos o mundo inteiro, e Viçosa, também somos por graça e justiça, por sermos em Portugal, o mais florido canteiro.
Hoje é dia de Festa dos Capuchos na nossa terra, e daí este texto entre a prosa e a rima, dedicado aos meus conterrâneos. Os outros amigos não me levem a mal.
Calipolenses ou não, esperamos por todos para bebermos uma ginja, mais logo à noite, sentindo a brisa doce que o Alentejo oferece em Setembro, no Largo dos Capuchos, sob os arcos coloridos do arraial.
 

(Agradeço o desenho da igreja dos Capuchos à inspiração do meu amigo José Barreiros; e à laia de glossário sempre digo que o brinhol é uma fartura e fintar é levedar)

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