Na aparência de estar só...


Na aparência de estar só, o silêncio nunca é a casa de quem escreve. Há gente que canta, que conversa connosco durante muitas horas, há gente que grita, e até há gente que, preparada para tomar corpo de letra, ressuscita.
Quando se escreve constroem-se novas moradas ou reabilita-se a antiga, sempre na coerência de um sonho qualquer que nos persiga, e quem escreve, mais do que manchas de tinta, tem pedaços de terra presos à mão: ele é um agricultor que se empenha em mondar os seus parágrafos, para que não persiste mais nada, para lá das palavras que possam ser pão.
Quem escreve tem o privilégio de baralhar os dias, as horas, as estações... não sendo raro acordar em dezembro para uma manhã de verão, naquilo que poderá soar estranho para quem não souber decifrar a linguagem imprevista do coração.
O escritor tem face de esquizofrénico, de mendigo, de travesti, de marinheiro, de inconsequente, de herói, de vagabundo...
Mas que importância tem isso, se apenas o invisível e universal músculo cardíaco tem força para mudar o mundo.
O escritor não tem um antes nem um depois, porque tudo aquilo que quer muito, e a verdade daquilo que sente, ganha verbo em qualquer uma das formas do presente.

Já anda por aí à solta “O vento a bailar sobre as searas”, um livro que deixou de ser meu para passar a ser nosso.
Porque são os abraços que fazem a primavera.

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