As quatro estações...


Em modo de espera, o telefone do hospital deixa-me com as quatro estações, de Vivaldi.
Poderia então ser transportado para o ano de 1996, e para um concerto, algures em Praga, numa igreja barroca onde todas as imagens pareciam ter sido tomadas por uma qualquer surpresa, com o seu ar de espanto a obrigar-nos a moderar o riso, não fosse ele perturbar a excelência da obra do músico veneziano.
Mas não. A espera levou-me até ao início dos anos oitenta, e ao meu grupo de amigos, em Vila Viçosa.
Chamávamo-nos “Sementes de Esperança” e organizávamos saraus onde líamos poemas de Jorge de Sena, e onde uma vez, para nos vestirmos de Outono, usámos uma velha saia de camilha de cor castanha.
Descosemos um pedaço e o João Paulo enfiou por aí a cabeça, ficando com uma capa em tons de entre outubro e novembro.
Vivaldi continua a soar desde o outro lado da linha...
Viver é a arte de desenhar e construir as próprias estações, cumprindo o sonho, tantas vezes a partir de nada mais do que trapos velhos.
Sempre por entre a poesia, é desta massa que somos feitos, e por isso, e por muito mais, continuamos amigos e otimistas, mesmo quando a dor parece querer assaltar-nos os dias.
A voz do outro lado da linha, depois de suspender Vivaldi, dá boas notícias, alinhando a minha esperança com a da amiga de Vila Viçosa com quem troquei mensagens nessa manhã, amiga de sempre a quem o tempo também pregou uma rasteira.
Um dia destes, e de dentro de uma doce primavera, ainda conseguiremos rir-nos do desconforto desta estação alheia e agreste, porque mesmo que não tenhamos terra, água e sementes... a vida ensinou-nos a fazer flores de papel.

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