Ainda chove...

Nestes meus dias de regresso à “nossa vila”, como, muito carinhosamente, todos tratamos Vila Viçosa por aqui, desde dentro, nem foi necessário ir revisitar os compêndios e as sebentas de há muitos anos, para poder ler e interpretar os sinais do tempo.

Há coisas que são tão profundamente nossas…

A chuva que cai, assim, copiosamente, inundando as ruas e pondo os beirados a cantar, é tinta transparente que escorre do céu por bênção insistente de alguma prece, deixando que se escreva em prosa ou em verso, mas sempre na melhor caligrafia de que o vento é capaz, nada mais que não seja a primavera.

Ainda que pisemos a lama, e que os veios de água renascidos, como estes, a cada dezembro, pareçam querer roubar-nos as sementes e as raízes, levando-as para bem longe, para se perderem, algures, no mar, sabemos que nada em nós é solúvel em nenhum inverno, e que, ali pelos idos de abril, estaremos todos a celebrar com as rosas.

Os Homens são irmãos das árvores, em muitas coisas, e também neste ser muito mais do que aquilo que deles se vê em determinado instante.

Não nos avaliem nunca por um retrato, curto e bem datado, mas sim por tudo aquilo que queremos ser, e que seremos, porque para isso nos munimos de força para ultrapassar desertos e “monções”.

Ainda que possam registar-nos a tristeza ou a dor sob o sopro de qualquer vento.

E este perpétuo sentir e perseguir maio, lendo-o e interpretando-o em todas as chuvas, é também aquilo que se cumpre em nós, profissionais de saúde, e de todas as valências, uma esperança tomada desde muito cedo, da fonte de todos os nossos mestres.

Posso ter esquecido muitas lições, daquelas dadas em papel de acetato, quando Lisboa, a caminho da Europa, ainda acordava para os frenéticos dias da década de oitenta do século passado, e com a Faculdade de Farmácia na confluência de estradas com mais buracos do que alcatrão, mas a principal é inesquecível, por afirmar e cimentar que a maior glória é poder salvar vidas, ainda, e quase sempre, anónimas e distantes da nossa área muito pessoal de afetos.

A doença, sim, mas como passagem, porque nós somos de acreditar, e de primavera se faz a vida.

Ainda chove…

Mas entre as flores e a nossa esperança, maio já não tardará.

Leio-o nas folhas transparentes que os dias me oferecem.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

O MUNDO MAIS BONITO E CONFORTÁVEL NUM TEMPO A CHEIRAR A FLORES

TESTAMENTO DE UM ANO COMUM

“Quando mal, nunca pior” ou a inexplicável rendição à mediocridade