A biópsia do sonho
Por estes nossos dias longos e demasiado tranquilos, o céu é um generoso lugar à janela, sem vertigens, acordado que permanece o sonho, com a ajuda líquida, e desinteressada, de um café “costurado” em casa.
E se não existe
carro, navio ou avião, resta-nos a viagem de algum verso ou de qualquer prosa,
para contrariamos as dificuldades de acesso, e chegarmos lá, ao longe ou ao
fundo do ser, recolhendo detalhes dessas vontades que nos movem, e que nos
revelarão, subtilmente ou não, no longo rumo da História.
Realizada essa
biopsia do sonho, temos amostra e tecido para cultivarmos na “terra” fértil dos
braços, que são como os canteiros que nos acompanham sempre, e onde, sem pressa
ou desespero, se prepara a primavera.
Onde tudo
renascerá, incluindo as portas abertas, os degraus com acesso para a rua, a pele
que não tem medo de procurar outra pele, o copo de água fresca partilhado à
beira da fonte, o verbo e o beijo desprovidos do pudor do tecido da máscara.
Tanto mundo e
tantas Lisboas deixadas em espera.
Se os dias são doces
rebuçados do tempo, estes, tão longos e distantes de agora, e com tanto da vida
estacionado junto ao passeio, são degustados como envoltos em papel impenetrável
ou celofane.
Sem o pleno do sabor.
As rugas nascidas
como canais da saudade por onde o pranto se esvai à superfície do rosto, apagar-se-ão
então, na primavera, e como que por milagre, na contração da epiderme criada pela
vertigem de um sorriso, deixando que o açúcar regresse, e que o gesto dos
braços, e do corpo inteiro, cumpra o tecido cultivado desde a melhor genética
do sonho.
Desaproveitar o
deserto, não se achegando ao céu que pelos seus horizontes nos acode à janela nestes
dias longos e demasiado tranquilos… seria impróprio de heróis como nós.
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