Cinquenta e seis

 


Envelhecer é deixarmo-nos adormecer pelo tempo, sonegando a esperança e a festa, aos amanheceresque vêm ao nosso encontro.

Puro desperdício.

Muito antes, passa-se pelo “pronto-a-vestir das idades maduras”, e compra-se o traje de virtudes, que tem pospontos sisudos, e onde qualquer laivo de riso, se passa, muito cuidadosamente, a ferro, para que sobressaiam as faces hirtas e engomadas.

A alma amarfanhada pela doce inquietude dos sonhos, posta perante um espelho a “gritar” méritos e estatuto.

As palavras dilaceradas pelo equânime silêncio que não é sim nem não.

A poesia encarcerada numa vivenda humana, com marquises de lata, piscina… mas sem o canto de um rio que nos banhe e incentive à viagem.

Os baloiços parados, e arrumados com a fantasia, na renúncia ao combustível bioenergético, e muito saudável, que sempre nos oferecem as asas.

Não me procurem no reflexo dos espelhos, mas nas mil ruas que de mim nascem, a cada despertar.

Leiam-me nas palavras ditas e escritas, colhidas da alma como morangos maduros, e verdadeiros, nas muito prazerosas tardes de verão.

E não estranhem quando trato o mundo como a minha casa, um lugar pequeno, térreo, com oceanos e fráguas, à mercê de todos os meus sonhos.

Não é forçoso pôr o pé no lugar de um beijo qualquer, para que ele seja nosso.

Faço hoje cinquenta e seis anos, mas tenho a certeza, que, atravessando outras décadas de vida, eu já fui muito mais velho.

Porquê?

Porque aliviei, definitivamente, preocupação em demonstrar o que quer que seja, para lá de viver a coerência de ser feliz.

A idade é irmã da verdade, e parente muito próxima da liberdade, e, crescer é aprender a abraçar o tempo, deixando que ele parta de nós, enfeitado com as flores, naturais e bem regadas, que trazemos plantadas no peito.

E sempre acordados.

E sempre com a noção de que, tendo em conta a esperança média de vida, e o tanto mais que nos apraz viver ainda, o índice de realização tem de ser mais intenso e com mais apurado sentido de urgência.

Não adormecer, mas sorver o tempo, fazendo-nos inteiros.

É claro que a idade também é neta da saudade, e faz doer na carne e na alma, a ausência de quem já foi o nosso mote de voar, mas então, no puro benefício de ter fé, por Deus, e por cada ano que passa, sabemos estar muito mais próximos da festa de os reencontrar.

 


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