Janela (in)discreta

No reino de sua majestade Isabel II, terra de bons princípios e excelentes maneiras, desenrola-se por estes dias um escândalo que tem na sua essência actos ilícitos e indecentes de espionagem e invasão da privacidade de cada um, utilizados como forma de sustentar publicações jornalísticas, os chamados tablóides, que pondo de lado os mais elementares princípios da ética, substituíram a sempre desejada informação credível, por maledicência, boatos, mentira e intrigas.
O escândalo envolve milionários, jornalistas e políticos, beliscando até o actual governo, provando que entre o jornalismo e a política, os corredores são imensos e demasiado esconsos, permitindo todas as cumplicidades.
Num dilema idêntico ao do ovo e da galinha, nunca saberemos se esta imprensa nasceu primeiro e foi ela que conduziu ao aparecimento de uma geração que compra a futilidade para a ler e alimentar a mais perversa e mórbida curiosidade sobre a vida alheia, ou se foi o inverso, e esta imprensa apenas aproveitou uma janela de oportunidade evidenciada pelo mercado.
E em Portugal?
Talvez a situação não seja muito diferente do Reino Unido, mas ficou-me a curiosidade e fui à procura das notícias que os Portugueses mais lêem, que mais compram para ler e que mais lhe são oferecidas para comprar e ler.
Hoje, dia 20 de Julho de 2011, dos vinte jornais e revistas mais em destaque no quiosque luso, anotei as seguintes notícias como as mais relevantes nas primeiras páginas:
DIÁRIO DE NOTÍCIAS – Avaliação dos professores;
CORREIO DA MANHÃ – Casas devolvidas à banca;
JORNAL DE NOTÍCIAS – Médicos corruptos;
PÚBLICO – Custo da adopção do Acordo Ortográfico;
i – Revolução liberal no emprego;
DIÁRIO ECONÓMICO – Interessados na venda do BPN;
JORNAL DE NEGÓCIOS – Negócios futuros da CGD;
A BOLA – Novas contratações do Benfica;
RECORD – Novas contratações do Benfica;
O JOGO – Novo jogador do FCPorto;
CARAS – Aniversário de casamento de um jogador de futebol;
VIP – Gravidez de uma actriz;
LUX – Lua-de-mel de príncipes;
NOVA GENTE – Príncipes de férias em Portugal;
FLASH – Apresentadora de TV traída;
TV GUIA – Ex-namorada de vedeta tenta o suicídio;
TV 7 DIAS – Suicídio do pai de um actor;
MARIA – Enredo de telenovela da SIC;
MARIANA - Enredo de telenovela da TVI;
TELENOVELAS - Enredo de telenovela da SIC.
O que em resumo se traduz por:
• Figuras públicas / Sociedade 35%
• Desporto 20%
• Telenovelas / Ficção 15%
• Política 15%
• Economia 15%
Ou seja, a política e a economia têm na informação criada e consumida em Portugal, a mesma importância relativa das notícias que assentam em enredos de telenovelas. Não é que a nossa política não pareça por vezes uma telenovela!
As notícias sobre figuras públicas suplantam o conjunto de notícias sobre economia e política.
Perdoem-me a inexactidão desta estatística muito artesanal, mas que penso não está muito distante da nossa realidade do vale tudo e da superficialidade.
O fútil suplantou o essencial e a dignidade foi arruinada pelos princípios pérfidos e primários da bisbilhotice barata.
Para além disso, a opção é abandonar os territórios da realidade e viver no contexto dos contos da carochinha e da ficção das telenovelas, quer sejam as de enredo ou as desportivas.
Na fachada deste tempo, a indiscrição passou a ser a regra e o que mais se deseja é que se possa abrir uma janela.
Mas uma janela discreta, por favor.

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