Joaquim e Francisca
Este fim-de-semana estive em Montargil num hotel recentemente inaugurado. Pela profusão de palmeiras e piscinas, para além da constante visão da imensa água da barragem, fácil seria imaginar que me encontrava num resort de qualquer destino tropical, mas a decoração dos espaços interiores com fotografias gigantes a preto e branco, todas elas exprimindo rostos, gestos e paisagens do Alentejo, teve o condão de me devolver às memórias dos meus dias no campo, do meu tempo de infância.
Por estes dias assinalámos o trigésimo aniversário da partida dos meus avós maternos, Joaquim e Francisca, que ocorreu no verão de 1981 apenas com o intervalo de 13 dias, porque quem muito ama não sobrevive na ausência do amado.
Registei esta coincidência porque foram eles os meus mestres, os melhores professores a explicar-me como é esta arte de viver da e com a terra, pagando a suor o duro tributo pela fertilidade que nos permite alimentar a vida.
Algures numa manhã de Inverno aprendi como com varas, mãos hábeis e o desconforto de uma posição de cócoras, se apanha a azeitona antes de a ensacar e encaminhar para o lagar, fábrica de azeite.
Aprendi como se faz o mel, como se podam as árvores de fruto, como se trata a terra tendo em conta o que lhe vamos pedir na colheita, como se rega, como se colhem os legumes e a fruta…
Nos ribeiros de água limpa e fresca dos vales, vi de perto essa arte de lavar a roupa, de a pôr a corar e a secar no meio da esteva, por forma a roubar-lhe o aroma que faz dos lençóis o mote para as melhores e mais repousadas noites.
Dos aromas da salsa, dos coentros, dos poejos e da hortelã, todos juntos num imenso alguidar de esmalte meio de água no poial onde estavam os cântaros cheios da água mais fresca, jamais me poderei esquecer por muitos anos que passem, e serão eles sempre para mim o real cheiro do campo.
Pelas rugas e pela aspereza das mãos dos meus avós, aprendi como foi difícil a vida num tempo que já não foi felizmente o meu, um tempo sem relógios e em que apenas o sol bastava para ao nascer ou ao pôr-se, dar o sinal para começar ou terminar a jorna.
Um dia, a pretexto de uma ida a Fátima e aproveitando a proximidade à Nazaré, os meus avós viram pela primeira vez o mar. Fizeram-no com mais de sessenta anos, acompanhados por mim e pelo meu irmão, que com cinco décadas menos, há muito estávamos familiarizados com o Atlântico.
Subindo ao Sítio e olhando o horizonte, a minha avó não resistiu a questionar espantada:
-Meu Deus, isto é tudo água?
O mundo tem sempre e só para cada um de nós, a dimensão do pouco ou muito que nos é dado dele conhecer.
Jamais esqueci este episódio e poucas vezes terei contemplado um horizonte do nosso ou dos outros mares, sem que estas palavras me tenham acorrido à memória.
Sei que jamais olharei o mais exótico e longínquo dos mares sem em consciência me sentir o privilegiado que chegou ao ponto da colheita numa sementeira que começou há muito, que foi rude na intensidade e longa no trajecto, uma sementeira fertilizada pela honestidade e simplicidade dos que em silêncio e muita dor lutaram para que o meu tempo fosse de largas visões e horizontes.
Joaquim e Francisca, mestres, professores, avós e heróis infinitamente maiores do que eu.
Por estes dias assinalámos o trigésimo aniversário da partida dos meus avós maternos, Joaquim e Francisca, que ocorreu no verão de 1981 apenas com o intervalo de 13 dias, porque quem muito ama não sobrevive na ausência do amado.
Registei esta coincidência porque foram eles os meus mestres, os melhores professores a explicar-me como é esta arte de viver da e com a terra, pagando a suor o duro tributo pela fertilidade que nos permite alimentar a vida.
Algures numa manhã de Inverno aprendi como com varas, mãos hábeis e o desconforto de uma posição de cócoras, se apanha a azeitona antes de a ensacar e encaminhar para o lagar, fábrica de azeite.
Aprendi como se faz o mel, como se podam as árvores de fruto, como se trata a terra tendo em conta o que lhe vamos pedir na colheita, como se rega, como se colhem os legumes e a fruta…
Nos ribeiros de água limpa e fresca dos vales, vi de perto essa arte de lavar a roupa, de a pôr a corar e a secar no meio da esteva, por forma a roubar-lhe o aroma que faz dos lençóis o mote para as melhores e mais repousadas noites.
Dos aromas da salsa, dos coentros, dos poejos e da hortelã, todos juntos num imenso alguidar de esmalte meio de água no poial onde estavam os cântaros cheios da água mais fresca, jamais me poderei esquecer por muitos anos que passem, e serão eles sempre para mim o real cheiro do campo.
Pelas rugas e pela aspereza das mãos dos meus avós, aprendi como foi difícil a vida num tempo que já não foi felizmente o meu, um tempo sem relógios e em que apenas o sol bastava para ao nascer ou ao pôr-se, dar o sinal para começar ou terminar a jorna.
Um dia, a pretexto de uma ida a Fátima e aproveitando a proximidade à Nazaré, os meus avós viram pela primeira vez o mar. Fizeram-no com mais de sessenta anos, acompanhados por mim e pelo meu irmão, que com cinco décadas menos, há muito estávamos familiarizados com o Atlântico.
Subindo ao Sítio e olhando o horizonte, a minha avó não resistiu a questionar espantada:
-Meu Deus, isto é tudo água?
O mundo tem sempre e só para cada um de nós, a dimensão do pouco ou muito que nos é dado dele conhecer.
Jamais esqueci este episódio e poucas vezes terei contemplado um horizonte do nosso ou dos outros mares, sem que estas palavras me tenham acorrido à memória.
Sei que jamais olharei o mais exótico e longínquo dos mares sem em consciência me sentir o privilegiado que chegou ao ponto da colheita numa sementeira que começou há muito, que foi rude na intensidade e longa no trajecto, uma sementeira fertilizada pela honestidade e simplicidade dos que em silêncio e muita dor lutaram para que o meu tempo fosse de largas visões e horizontes.
Joaquim e Francisca, mestres, professores, avós e heróis infinitamente maiores do que eu.
Que bonito, Joaquim! Já tinha saudades dos teus textos e este está soberbo!
ResponderEliminarNão tenho muito jeito para escrever, mas quero colocar este comentário em cima do início do dia 5 de Julho. Tenho-o pensado há um tempo, mas sei que não sairá como o idealizei porque é difícil expressar sentimentos.
O teu post de hoje ajuda ao que quero escrever, pois transmite alguns aspectos da tua personalidade que admiro: o amor à terra, o amor à família, o respeito e carinho pelos mais velhos. Outros que poderia acrescentar são o da vivência da verdadeira amizade (aquela mesmo, mesmo a sério, que se vive nos bons e maus momentos) e os da honestidade e hombridade.
Saíste de Vila Viçosa para estudar aos 18 anos, certo? Mas gosto que nos ligues cada vez que vens e podemos passar um tempo juntos… Ou quando organizamos aqueles pequenos passeios e nos rimos das mesmas coisas de sempre! Ou quando estás presente nem que seja através de uma sms porque algo não está bem por cá…
Um feliz dia!