O folar doce
No
Alentejo, o folar é doce, como estes dias que inventamos.
É
doce e anisada, a “erva” que juntamos à massa, em rima com a esteva que aquece
o forno e com o alecrim dos ramos de domingo, aquele mesmo alecrim que “prende”
os namorados e os padrinhos a um cartuxo de amêndoas, também de açúcar, na
manhã de quinta-feira.
A
avó Natividade atava um lenço branco na cabeça e, á cintura, um avental da
mesma cor, benzendo-se por entre o pó da farinha de trigo que ia deixando cair
sobre o enorme alguidar de barro. Depois de mais de uma hora em que não dava
descanso às mãos, desenhava uma cruz sobre a massa e dizia:
-
Deus te acrescente.
Esta
semana não é santa por acaso, mas sim porque a fé transpira do peito da gente.
E a massa “deita-se” depois no recanto mais quente da casa, para que “finte”
melhor durante a noite, sim, que levede melhor. Bolos fintos, porque no
Alentejo sabemos que a fé é o segredo para “driblar” a má sorte.
Quando
a manhã se enfeita de sol, polvilham-se as tábuas com farinha, reparte-se a
massa que cresceu e transbordou do alguidar, e dá-se-lhe a forma de roscas,
estrelas, “padinhas”, ou então, acrescentam-se ovos cozidos e fazemos o folar.
Com a avó Natividade aprendi a fazer lagartos, freirinhas e poços, todos
recortados à tesoura e enfeitados com laços que guardámos das prendas de Natal.
Os
tabuleiros negros de metal levam o nosso nome escrito a giz e entram no forno
com os dos demais, porque a amizade é o calor onde tudo ganha forma e sabor.
Talvez
a imagem de Cristo jazente percorra já as calçadas de Vila Viçosa, por entre o
silêncio e as laranjeiras em flor, quando o forno se abrir para nos devolver os
folares quentes e doces, lembrando-nos que a morte é apenas um breve instante
nestes dias que inventamos e onde nos vamos descobrindo, enchendo-os de amor.
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