Manchester by the…sky
O vento recortou as nuvens de forma certeira, e pô-las
a contar-me a história do cavalo alado que resgata uma princesa de tranças,
cansada de estar presa na torre mais alta do castelo.
Um homem que entretanto passa por entre as mesas, aproveitando
a ausência do empregado da esplanada do café, utiliza as suas unhas e uma velha
lata, para emitir um som estridente, apelando às moedas, para que saltem dos
bolsos alheios e venham adensar o ruído deste batuque improvisado.
Não reconheço a melodia que ele toca, mas não hesito,
e promovo-a a banda sonora da história da princesa.
Não fossem os meus braços pousados sobre a mesa, como
oferecendo guarida à pequena chávena da bica, e não fossem os pelos brancos que
os envolvem, a denunciarem a idade, eu juraria estar em Vila Viçosa, algures
pelos anos setenta do Século XX, repousando de barriga para cima sobre a erva
de um qualquer campo de Maio.
Nesse tempo, com dez ou doze anos, ninguém me
desmanchava o gosto de ler histórias nas nuvens e nas manchas dos tetos das
casas, porque não havia bombas cheias de pregos, e Deus era apenas sinónimo de
amor, num céu com estrelas e silêncio, onde não havia sirenes nem o sangue dos
sonhos a esvair-se pelas ruas.
Trouxe esse gosto de então, comigo e até aqui, porque
viver é nunca desmanchar os sonhos. É sobre os seus recantos que eu decalco
parágrafos nas tardes de Maio e de todo o ano.
Manchester foi traída por esse falso céu sem Deus, e quando
"matamos" uma criança asfixiamos o mundo e o tempo, privando-os do
poder de se reinventarem.
Quando "matamos" uma criança… morremos
todos.
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