Intermitências de “Amigos de Alex”
A nossa geografia, que é gémea siamesa da nossa história, é a soma das coordenadas de todos os lugares que nos inventaram, com destaque, mais do que legítimo, para aqueles onde fomos felizes. E as memórias que desse chão guardamos, desmentem a aridez do pouco, que, às vezes, se vê, elevando-o ao estatuto de templo sagrado.
Hoje, durante todo o dia, fui acompanhando, de forma intermitente, o
programa da RTP1 sobre jardins históricos, transmitido a partir do Paço Ducal
de Vila Viçosa.
Fiz a foto num desses momentos, não porque o cantor esteja algures entre as
casas das pessoas, escravas ou não, que serviam o duque, e mais tarde, o rei,
mas porque ele está situado exatamente no ponto que unia a sala 7 com o acesso
ao bar e às salas do pavilhão que abrigava a sala de professores da minha
escola secundária.
O edifício à esquerda era o ginásio, inventado a partir do picadeiro do
Paço, e ao fundo vê-se o portão por onde entrávamos. O lago não existia, porque
foi aqui instalado nos anos oitenta, já na transformação do espaço a Museu dos
Coches.
Assim, por debaixo do que hoje se vê, consegui vislumbrar a Miss Tokalon,
que era mais vamp e ousada de todos nós, a desfilar, e a cruzar-se connosco
quando íamos até ao bar onde o Sumol de ananás era uma miragem.
Aí, embora a pretexto de cachorros pincelados de manteiga com uma trincha,
ou uma torrada de papo-seco fabricada numa máquina, nunca antes vista, em que o
pão se punha num dos lados, e saia no outro, aquilo que verdadeiramente
saboreávamos era a liberdade.
Cada conversa era uma jura de mudança, cada sonho era um compromisso, cada
vontade uma cor e uma viagem... e existia a fé, o riso, os abraços, a
confiança, para além do privilégio de, mais tarde, podermos repousar, sentados,
sob o abrigo do olhar dos nossos pais, que, sabemos hoje, eram a nossa
verdadeira casa.
Confrontados com as primeiras paixões, surpreendíamo-nos com a sua
intensidade, questionando-nos sobre o que seria aquela “doença”.
E atentem ainda eram só uns “resfriaditos”.
Víamos os aviões e tentávamos tomar-lhe a melhor sorte, sempre que pareciam
subir, e, nunca, nem por um brevíssimo instante, suspeitámos que esses dias,
que pareciam tão monótonos e banais, eram dos melhores que a vida nos poderia
oferecer.
Um tempo que foi proteína rica de encontro à carne do muito que hoje somos.
A minha geografia, delimitada hoje pela memória, e com varanda para a
saudade... dos sumários, das sebentas, e até das aulas de desenho, que eram as
que mais detestava, por manifesta falta de jeito.
Num programa de televisão, o jardim do Paço Ducal, chão de Reis com uma
intermitência, breve, de “amigos de Alex”, por onde eu andei e o dia, hoje, vagueou
numa rebeldia com aromas de Pink Floyd ou de Chico Fininho.
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