Não existem flores maiores que a esperança
O meu saudoso professor de Português, Padre João de Deus, explicava-nos a
diferença entre o romantismo e o realismo, nas aulas do 11º ano da Escola
Secundária de Vila Viçosa, socorrendo-se do exemplo de um casal.
Em ambiente romântico, e em plena lua de mel, passeavam os dois no campo
quando ele a alerta para o perigo de uma poça de água.
- Minha flor nascida do melhor do tempo, procura o nenúfar que te segure o
passo para não molhares a beleza desse pé delicado.
Trinta anos depois, já imbuídos do melhor realismo, volta o casal ao mesmo
sítio, e a mulher recorda:
- Lembras-te desta poça de água e da frase tão bonita que então disseste?
- Epá, deixa-te lá de parvoíces e não ponhas os chispes na água, porque
ainda acabas toda encharcada.
Os dias enfeitados de flores, frente a frente com o pragmatismo absoluto,
revestido de alguma rudeza, parecendo-me a mim, que também aqui, nos estilos
literários, tal como na vida, que a virtude se encontra no centro.
No centro e no bom senso.
Durante os meses de verão, não existiu criatura que não tivesse virado os
presuntos para o mar, fotografando essa visão marítima da nudez dos calcantes,
para informar nas redes sociais o lugar onde se encontrava.
Perfeito.
Mas agora que há uma aplicação que poderá ajudar ao próprio e aos demais,
protegendo-os da infeção por COVID-19, aqui Del’ rei porque não vá alguém
descobrir por onde andaram.
Pois...
Não há dúvida que o romantismo é a moldura mais apetecível para nos
apresentarmos aos demais, ao melhor estilo “Cristina Ferreira no país das
maravilhas”, mas então não é que a vida é mais realismo do que romantismo? Não
é que existem vírus que andam por aí e matam a gente? Não é que esses vírus até
atacam nas salas de espera da morte aonde se despejam os pais para que possamos
ir “descansados” mostrar os pés para os areais?
Este momento exige andar de braço dado com o bom senso e ter em vista o bem
comum, ainda que se nos belisque a possibilidade de andarmos na rua a mostrar o
resultado do botox nos lábios e dos aparelhos nos dentes.
O romantismo?
Leiam os poetas, passeiem no campo, vejam a lua da janela, e convoquem a
esperança e o sonho para os dias que virão.
Não existem flores maiores que a esperança.
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