Cara a cara com o sol...


Existem madrugadas em que o tempo avança só para ficarmos mais perto do verão, e cara a cara com o sol.

Parece cumprir-se, dessa forma, aquela perceção quase universal, de que o tempo tem asas.

Mas terá mesmo?

Andamos há um ano a reciclar essa ideia, estacionados aqui, dolorosamente, nesta ilha sem abraços e de sorrisos amordaçados pelo pano, náufragos de tantas certezas, envoltos, agora, por nuvens de silêncio e de solidão.

Numa praia aonde o tempo não anda, ao contrário de um tal Rt, tão irrequieto.

Há alguns anos, sempre que dizíamos que o tempo voava, a minha avó, do alto da sua sabedoria simples, mas infalível, respondia-nos:

- Desenganem-se. Eu conheço o tempo, de um outro tempo em que ceifávamos de sol a sol e recebíamos o ordenado no fim da jorna, aos sábados, e juro-vos que ele tem passo de caracol.

Eu ficava a pensar nisso.

O tempo, salvo estes “soluços” induzidos por mão humana, em março e outubro, beneficia do rigor da matemática, e tudo o resto são perceções, essas assumidas verdades com que tantas vezes legitimamos o absurdo e nos afundamos no ridículo.

Afinal de contas, o tempo tem asas se nós o ensinarmos a voar, e permanecerá quedo e triste, se nós o encerrarmos numa masmorra qualquer, algures num castelo onde nos propomos viver com ele, esperando passivamente, um amanhã caído do céu.

Há muito que lavámos esse tempo do tempo da minha avó, e com uma mão cheia de fé, e outra de liberdade, saibamos tomar a poesia que mora no silêncio, e tomar aquele canto da Terra e dos pássaros, que só aprende quem em alguns instantes vive só.

Emprestemos as nossas asas ao tempo, salientando a finitude destas ilhas onde estamos sentados.

E vivamos de encontro ao verão, tomando dos instantes do luar, a inspiração que nos move a ficarmos cara a cara com o sol.

As laranjeiras da minha terra, por entre a saudade do abraço dos nossos olhares, por ora fugidios, já começaram a fazê-lo, e já se revestiram de primavera, na flor que desmente a lamúria.

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