Velhas e novas faces de um destino de errantes marinheiros

Embarcara há pouco no avião que me traria de Copenhaga de volta a Lisboa.
Alheio à azáfama de pessoas e malas atropeladas no estreito corredor do avião, reclino a cabeça e através da minúscula janela com uma forma ovalada, distraio-me observando as operações de logística no exterior do aparelho.
Os sistemas de monta-cargas que sobem e descem, juntamente com o movimento constante de umas dezenas de pessoas equipadas com coletes reflectores, quase se assemelham a um estranho bailado com efeitos especiais ensaiado pelo La Feria no palco de um musical no Politeama.
A aparência de caos retirado do coordenadíssimo esforço para no menor tempo possível voltar a pôr a “máquina” a voar.
De repente sobe para o avião uma enorme caixa de madeira cuja forma de um paralelepípedo é excessivamente explícita no denunciar da sua função: há um Português que se devolve à terra, não abdicando de o fazer no abençoado solo pátrio que foi seu cúmplice ao nascer.
Para mim não tem nome, nem rosto e nem história, este Homem que voa comigo por sobre as nuvens, que desce rumo a sul numa rota paralela às praias que não têm fim, essa contínua linha de areia que começo a identificar no instante em que o Mondego me transporta o olhar para a direita até ao inconfundível mar da Figueira.
Ao meu lado vai sentado o Francisco.
Não se cansa de sorrir aos estalinhos que lhe faço com os dedos, tem seis meses e vai ao colo da mãe que não terá mais de trinta anos e que em surdina lhe canta todas aquelas canções de embalar que me são muito familiares.
Porta-se como um homem neste regresso a casa após um fim-de-semana prolongado que foi passar com o pai, um jovem engenheiro emigrado na Dinamarca.
O mesmo céu, a mesma eterna cumplicidade do mar, velhos e novos emigrantes, o fado de marinheiros da vida numa “caravela” que voa por sobre todas as tormentas e nos faz cumprir esse tão nosso errante destino de incansáveis conquistadores de sonhos.
Unidos pelo destino, pela alma, pela língua e pela fé.
Sem impossíveis.
Portugueses, sempre.

Comentários

  1. Mais um excelente texto, Parabéns
    rui pereira

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  2. Meu bom amigo.

    Um texto que desta vez me toco em particular e até me fez rolar um lágrima no canto do olho.
    mesmo assim parabéns pelo belíssimo texto.
    Com um abraço.
    AR

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