A vida conta-se pelos rios que cruzamos...
A
vida conta-se pelos rios que cruzamos, e enquanto deixo que anoiteça nesta
Quinta-feira, primeiro dia de Setembro, eu já levo o Pranto, o Mondego, o
Vouga, o Douro…
Medievo
caminhante por entre o aroma de árvores queimadas e o cansaço, vejo-me de
repente à entrada do velho Mosteiro, portão fechado, uma luz ténue e discreta a
dar-me a esperança de não me ter enganado.
Há
festa em Braga, não arranjei outro hotel na cidade e preciso de ir trabalhar
muito cedo, um pouco antes das oito horas do dia seguinte. O sistema de
marcação de hotéis sugeriu-me a Albergaria do Mosteiro de Tibães, mosteiro que
apesar desta imensa face barroca é mais antigo do que Portugal.
Saio
do carro e toco à campainha. Não tarda quase nada até escutar os passos e o
rodar tão sonoro da chave que abre o portão.
Já
é tarde, faltava apenas eu para que a lotação de nove quartos ficasse lotada e
ainda terei tempo para jantar no restaurante. Tudo isto fico a saber pelo meu
anfitrião enquanto a mala de viagem concebida para os pisos polidos dos
aeroportos do Século XXI vai soluçando aos pulos sobre o granito que adorna passos
desde o Século XI.
O
quarto é uma antiga cela dos monges beneditinos que um arquitecto revestiu do
melhor design do nosso tempo,
persistindo no entanto as paredes imensas que impedem a rede do telemóvel ou o
acesso à internet.
Não
me demoro, desço ao restaurante, escolho o jantar que vou saboreando ao ritmo
do serviço prestado por uma Irmã Carmelita que fala Francês porque nasceu no
Congo.
Esta
minha genética anti-silêncios conduz-me pelas perguntas.
Todos
os hóspedes já recolheram aos quartos quando o relógio bate as 22 horas e a
Irmã me interpela:
-
No final do serviço vimos sempre aqui ao restaurante dar graças a Nossa Senhora
pelo nosso trabalho e pedir por todos aqueles a quem servimos.
E
concluiu:
-
Espero que não se importe e se assim o entender pode rezar connosco.
E
eu que até cheguei cansado, levantei-me da mesa e juntei-me às “monjas” em
oração, entre o Português e o Francês numa Ave Maria ao toque dedilhado da
viola.
Com
novos ritmos, a fé junta-se às paredes de granito e dá coerência e perseverança
atravessando o tempo que nós vivemos a cruzar os rios. Preserva a essência.
Acordo
cedo, dou uma volta pelo jardim; soam cânticos da capela e já cheira a café na
Sala do Pequeno-Almoço. O mesmo senhor de ontem abre-me a porta.
-
Foi o último a chegar e é o primeiro a sair.
Peço
que me faça uma foto na fonte da entrada.
-
Um dia voltarei com mais tempo… para rezar.
Corre
uma brisa fresca na manhã de Braga, um helicóptero sobrevoa-me o caminho rumo
aos incêndios, o velho mosteiro espreita-me ainda no espelho retrovisor.
É
tão bom sentir que os dias ainda encerram detalhes secretos e bons que nos
surpreendem e nos beijam generosamente.
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