Pai
Desmentindo o tempo, salto para um banco improvisado
feito de jornais atados por uma corda, e fico sentado à mesma altura onde o teu
respirar se mistura com o som inquieto da tesoura que afina os meus caracóis
castanhos.
Há cromos de futebol que enrolam rebuçados comprados
às meias dúzias com moedas de dez tostões, comemos medronhos maduros na encosta
do castelo, recortamos e colamos casinhas de papel, jogamos ao pião,
construímos papagaios cruzando canas, e á frente do portão do “Tapum”, construímos
repuxos num lago improvisado onde se passeia um pato de plástico, nos dias de
Junho e São pedro, quando a nossa rua se enfeita com flores de papel que fomos
fabricando nos serões de primavera, imitando o melhor gesto que reveste o
campo.
Desmentindo o tempo…
Agora que “O Século” e “A Capital” já não amarelecem
juntos no monte dos jornais, que os meus caracóis não sobreviveram à prata que
os tingiu, e que os papagaios, as casinhas e as flores de papel subsistem
apenas na minha memória; eu ajeito-me à sombra do teu olhar, recuso-me a
palpar-lhe o cansaço, e pulo como antes, mas já sem a ajuda dos teus braços,
para o sítio onde sou maior, e onde o céu já não tem o ruído de uma tesoura mas
continua a ter o teu respirar.
Num beijo, meu querido pai, imitando sempre o melhor
que tem a vida.
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