Como se aprende a dizer o amor?
Como se aprende a dizer o amor?
Existirão muito mais de mil formas...
Consigo imaginar o baile, a orquestra, a noite estrelada, o cheiro intenso
a verão, e um rapaz de dezanove anos de fato escuro e papillon, a dançar com a
sua amada, por certo adornada pelo melhor vestido.
Estamos em 1960, a guerra colonial não tardará, mas na inspeção militar deste
ano, que por aqui chamam “sortes”, há muitos mancebos dispensados dos quartéis.
Festejam-no agora, duplamente, neste baile já marcado há meses, porque,
independentemente da cor do carimbo na certidão militar, haveria de celebrar a
idade adulta.
A rapariga, confessadamente nervosa, terá já esquecido o veredicto de uma
flor que há três anos colocou junto ao altar da Virgem. Murchou ou não,
antecipando a perspetiva deste instante?
Não se recorda, mas o rapaz é o mesmo de então, o de sempre, e hoje, por
entre a festa, ele pede licença para namorar com ela por entre o aplauso de
todas as flores do universo.
Passaram ontem sessenta anos sobre este acontecimento, lembrado aqui em
casa todos os dias 24 de julho.
O rapaz é o meu pai e a rapariga, a minha mãe.
Como se aprende a dizer o amor?
Existirão muito mais de mil formas, mas para mim, que o digo tantas e
tantas vezes, terá sido esta casa bonita onde cresci por entre flores, de
janelas abertas e onde nunca senti medo por andar descalço.
Porque os beijos são flores.
Há duas semanas, na noite em que o pai partiu, a determinada altura tomei-lhe
os dedos inertes e retirei-lhe os anéis que foram tingindo a ouro os sins que este
amor foi ditando, e onde eu nasci.
Há gestos que ecoam como gritos sobre a paz das catedrais, e que doem como
farpas, ainda que transparentes, rompendo-nos o peito.
Mas o amor não sucumbirá jamais à redoma de um corpo gelado, e permanecerá
sempre para lá dos anéis, que adormeceram agora, e repousam entre os nossos
caracóis de meninos.
Relíquias de um tempo que permanece nos compromissos todos que mantemos com
o aval do coração.
Mas o amor...
Serei eu, por certo, a melhor forma de o dizer.
Ouço a orquestra e mergulho na noite estrelada.
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