Entre o chão e o Céu
O chão e o Céu são uma e a mesma coisa para quem não teme abrir as suas
janelas, deixando entrar o sol sem reservas ou timidez.
E não se opondo, ao mesmo tempo, que o ser voe e cresça para lá das paredes
mais ou menos pintadas, profanos altares onde os invernos nos foram abrigando
da ventania.
Esta semana permiti-me sentir assim, algures entre o soalho lavado onde a
solidão emerge e dói, e os horizontes “impossíveis” que vou galgando de braços
abertos em voos mais ou menos tranquilos, por sobre os campanários mais altos.
Nuns e noutros momentos permiti-me brincar com o sol, entoando salmos à
vida, que, dispensando o canto e os versos, tomaram aleluias do gesto, da paz e
do compromisso para com o sorriso e o otimismo.
Gosto de sentir a vida, assim, como um rio tranquilo que às vezes, por
tanto querer o mar, muito mais do que por destino, tem forçosamente de cruzar o
deserto.
E por força das pedras, as águas soluçam, despudoradamente, em cascatas, renovando-se,
sem querer, nesses momentos de maior intimidade com o ar.
No decurso de um processo que dói e desassossega, a oxigenação que faz emergir
a limpidez, reluzir a coragem e nos alimenta para o resto do caminho.
No leito enfeitado deste meu rio há mil bibliotecas aonde guardei outros
tantos beijos do meu pai, entre versos e olhares, sobre soalhos que “traíram” o
chão num claro e assumido, impulso do Céu.
Bibliotecas vivas e com flores à janela, que flutuam e me abraçam à
superfície das águas claras.
A vida só nos rouba quem nós quisermos e de quem desistirmos, porque mesmo
que os instantes pareçam vazios e de tábuas lavadas, há janelas onde o sol se
insinua e de onde poderemos chamar todos aqueles que já partiram para morar com
ele, num compromisso de infinito e por inspiração do melhor… do amor eterno que
a vida nos permitiu guardar.
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