Hoje é o dia dos meus anos...
Hoje é o dia
dos meus anos, mas ao contrário do que acontecia há muito tempo, noutros
verões, já não terei um fato azul para estrear, com calções e camisa a
condizer.
Também não
terminarei o dia a contar as notas verdes de vinte escudos, com a efígie de
Santo António, pensando em tudo aquilo que elas poderiam comprar.
Hoje é o dia
dos meus anos, mas já não terei um bolo pintado de branco, com uma muito
consistente cobertura de açúcar, e com dezenas de bolinhas prateadas ao redor
de umas velas coloridas.
Hoje, no dia
dos meus anos, em 2020, dou a mão ao meu pai que repousa na cama, tentando
sossegá-lo por via desse incansável diálogo que só consegue a pele de quem se
ama.
Cada carro
que passa no Terreiro, promove uma sombra que se projeta na parede branca do
quarto, e o meu pai, às vezes, sorri, apontando para cima com o olhar.
As sombras
também são carros, e também são gente, tal qual as pétalas que os dias deixam
cair, carregam a essência e a memória das rosas onde se abrigavam.
Hoje é o dia
dos meus 54 anos, e não consigo saber se este quarto me envelhece, ou se, muito
pelo contrário, me devolve ao fato azul costurado pela minha mãe, às notas de
vinte escudos no bolso dos calções e ao bolo que foi decorado pela prima
Octávia.
Ou talvez
seja tudo isso nas intermitências próprias daquilo a que usa chamar-se a meia
idade.
Volto ao
encontro da pele do meu pai...
Enquanto de
nós os dois caírem pétalas jamais importará que nos digam sermos sombras.
No dia dos
meus anos, por entre aromas perfeitos, beijos infinitos, e a fé, que é a única
via para a eternidade.
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