A liberdade “esteve” a passar por aqui
No verão de 1996, acompanhado pelo meu amigo João Paulo, cheguei à estação central de Budapeste, vindo de Viena no Expresso do Oriente.
Sem
Poirot e sem qualquer crime a bordo.
Cerca
de sete anos após a queda do muro e da cortina de ferro, deparei-me com uma
cidade suja, de ruas infestadas de lixo, onde a única preocupação tinha sido
retirar os símbolos comunistas, cujas sombras ainda estavam visíveis na pedra
dos edifícios.
A
senhora que nos vendeu os bilhetes para o metro, muito empenhada no seu tricot,
e incomodada pela nossa presença, praguejou mil desaforos na sua língua nativa
enquanto soprava. Fomos assaltados nessa viagem de metro, com grupos de homens
a rasgarem-nos as mochilas, e sempre que nos sentávamos numa esplanada para
tomar um café, poderíamos colecionar dezenas de panfletos que publicitavam
bordéis e sexo a bom preço.
Em
Budapeste, como em tantos outros lugares, sem o menor civismo, na ausência da
autoridade e do pudor, a liberdade era celebrada dessa forma aberrante, na
máxima expressão de um equívoco: liberdade não é sinónimo de libertinagem.
Incompetência
de cada um, ou “virtude” dos seus detratores, promove-se o desfocar dessa
essência maior de um dos maiores pilares da vida e da civilização, a liberdade,
que se educa, e que, como tudo o mais que é importante, se exercita e se
desfruta num contexto de responsabilidade.
Se
tal não for feito, chegará o dia em que os seus “detratores” darão um passo em
frente, e, proclamando o caos, imporão um passo atrás.
Leio
dessa forma o recente percurso da Hungria, a abertura à extrema direita, a
afronta aos imigrantes e a publicação da nova lei que promove a discriminação
com base na orientação sexual.
Entre
os Soviéticos e os Fascistas só muda o nome, e os métodos que geram estes
fenómenos de “volta atrás” são os mesmos, quer estejamos em Budapeste ou num
qualquer concelho de Portugal.
É
preciso voltar à verdadeira essência da liberdade, que é coisa da alma, do
sentir, e que se estende ao gesto e à palavra, com honestidade e com
responsabilidade.
Mas
isso, parece que é tudo o que não temos, porque quando o “nosso” governo, dito
de “esquerda” lidera a União Europeia e se recusa a condenar a Hungria no
momento da publicação de uma lei homofóbica, porque se exige neutralidade e
respeito pela posição de todos os Estado, está a legitimar tudo… e até o Chega.
As
máscaras de cera nunca resistem aos “dias mais quentes”.
A
liberdade é inquestionável e os seus detratores só merecem uma resposta: NÃO!
Eu ainda mantenho a esperança de que o Sérgio Godinho possa refazer a sua
letra, e cantar que “a liberdade decidiu ficar a morar por aqui”.
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