Chamar o verão
Entre a gente acomodada e os gatos rebeldes que insistem chamar o verão, eu preferirei sempre os segundos, até porque eles são o motor de conversas bem mais interessantes.
Às vezes a chuva parece desmentir-nos o solstício, junho e
este quase São João, mas existe sempre uma janela alta, que, mesmo fechada, nos
servirá de abrigo enquanto insistimos, damos fôlego ao grito e chamamos o
verão.
O melhor de uma janela será sempre esta perspetiva que ela
generosamente oferece bem para lá de nós, muito mais do que a luz que aporta
para os sofás de veludo aonde gostamos de nos sentar, quiçá entretidos em
dissertações sábias sobre o “vamos indo” e o “muito riso, pouco siso”.
Sentados, crescidos na idade, mas adeptos das viagens de
carrossel, colorida ilusão de movimento em redor de um eixo que somos nós
mesmos.
O riso ateia e celebra os bons pensamentos, elevando-os aos
sonhos, e o “vamos indo” é infinitamente mais mortiço do que estar quieto num
sítio de que se goste.
Quem acredita não utiliza os “telhados” para se abrigar e
esconder do céu, muito antes pelo contrário, utiliza-os como degraus para
dialogar cara a cara, e mais de perto, com o firmamento.
Quem apenas espera, receberá passivamente, e talvez entre uma
ridícula lamúria, a estação e o mundo que os outros fizerem.
A lamúria, o lamento do tempo, da chuva de junho, pela voz de
quem não sabe ir buscar o sol… o seu próprio sol, comprometido que está em
seguir à risca um guião pré-definido, e consoante o estatuto pretendido, que os
transforma naqueles “atores” de novela que são engraçadinhos mas que
representam pior do que as bonecas Barbies depois de afogadas nas piscinas, e
deixadas imersas durante três meses.
E dos parapeitos rasgados... o pensamento.
Tomaram os aviões ter dele, e da poesia, a propulsão, sendo
capazes de nos levar tão rapidamente até aonde a alma pede.
Com a máxima assepsia do querer, ultrapassamos mares,
distâncias, cidades e gestos proibidos, cumprindo as viagens que mais importam,
e que não são as dos pés, mas as do coração.
Mesmo que tenham de nos fechar as cidades (e muito bem),
nunca nos esqueçamos dos mundos infinitos que trazemos no peito
E a contrariedade?
Nunca é o apocalipse, mas tão só o incentivo para nos
reinventarmos e podermos surgir maiores, na certeza de que tal só se conseguirá
se soubermos abraçar a vida dos outros, com respeito e com querer.
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