Surfar a superfície do tempo
Vivemos entretidos a surfar a superfície do tempo, não
deixando, de nós, nada mais do que traços coloridos que, mais cedo ou mais
tarde, acabam dissolvidos nas brisas salgadas.
Somos a rima, muito mais do que o pão da palavra, e, fugindo
à dor da apneia do mergulho que nos ofereça profundidade e dimensão, esperamos
passivamente, e comodamente sentados na praia, o alimento que a maré cheia possa
trazer, e abandonar sobre a areia.
Que importa se somos apenas dois dedos de gente, se a nossa
sombra, projetada sobre a parede branca, e pelo impulso de uma luz qualquer, nos
oferece contornos de super-homem?
E pudessem os gestos ser embrulhados em aspas, e a narrativa de
tudo isto que queremos mostrar, seria devolvida à justiça de uma citação, de um
ser alheio e distante.
Se as cruzes traçadas sobre o peito pudessem acordar e
ressuscitar as almas.
Se libertássemos os livros da “falta de tempo”, e as palavras
dos poetas fossem mais do que meros adornos de montras com pernas.
Se os beijos retomassem o seu trono, devolvendo ao pó, os “gostos”
e o “adoro”.
Se os amigos fossem mais que os seguidores administrados por
uma tecla.
Se os rostos desprezassem o “Photoshop”, abrindo alas para os
sorrisos que trazemos dentro.
No texto que publiquei antes deste, na semana passada, falava
de “bullying” na primeira pessoa, ilustrando-o com uma foto minha, a sorrir.
A publicação teve 234 “gostos” no Facebook, mas apenas 137
pessoas tiveram o cuidado de a abrir.
Não me procurem nos areais ou à superfície das ondas.
Eu anseio viver no miolo de todas as palavras colhidas da
essência mais profunda do tempo.
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