Fátima – Junho de 2012
Somos
muitos. Impossível saber quantos, e de quantas línguas se compõe o som sussurrado
e arrancado à alma, desta Babel de
Avé Marias.
Viemos
carregando cada um a sua história, que coincidiu e se cruzou neste exacto
momento em chegámos aqui, vindos de tantos e diferentes mundos, à procura do
silêncio que nos devolve a nós, à procura da paz.
E
a paz maior chega de noite.
Nessa
noite que deixa sempre correr uma leve brisa fria, e na qual nos fazemos
presentes na modéstia de uma chama acesa, pequena como nós, gota de água no mar
de luz que sem receios deixamos que nos envolva.
Olho
para lá, no espaço que termina no verde da Serra.
Entrego-me
à memória que me devolve o tempo de há vinte ou trinta anos, e vejo-me ali
algures, sentado com os meus eternos amigos, a cantar os sonhos maiores do
nosso compromisso com a felicidade.
Sinto-os
a todos presentes, e sinto como os quero tanto quanto à vida.
Vejo-me
com eles a descer os degraus da longa escadaria, alentejanos de camisola
amarela da cor das searas maduras, e saboreio a recordação do olhar-abraço com
que os nossos progenitores, sempre atentos e a cuidar-nos, nos recebiam e envolviam.
Com
eles, com a fé e a nossa garra, fabricávamos o confortável sabor de nada temer.
Estou
agora com os meus pais, agradeço-os a Deus como privilégio, mas sinto saudades pela
ausência dos que já não posso ver ali e daqueles por quem me resta orar para
que vão resistindo aos dias maus da doença.
Tocam
os sinos a anunciar domingo.
Os
pontos de luz que vieram da noite, têm agora a forma de mil rostos, todos
diferentes, gigantescamente diferentes, mas unidos por uma misteriosa e imbatível
serenidade.
Um
encontro de serenidade, uma festa de paz, em tempos reconhecidamente difíceis.
Voltam
a tocar os sinos.
É
tempo de adeus.
As
luzes da noite, os rostos da manhã, são agora lenços que esvoaçam no meio-dia
de Fátima.
Olho
para o lado e vejo uma sexagenária mulher do campo que desordenadamente e ao mais
puro ritmo da alma, alterna o gesto do adeus, com o limpar das lágrimas que a
emoção lhe faz aflorar ao rosto.
Há
lágrimas a esvoaçar no meio-dia de Fátima.
Que
germinem e se convertam em paz, porque um dia, qualquer dia, não resistiremos a
voltar.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarSim, do mundo nada se leva. Mas é formidável ter uma porção de coisas a que dizer adeus.
ResponderEliminarRUI PEREIRA