E por mais que as nuvens insistam em desenhar monstros à superfície do mar…
À minha frente, a imensa montanha riscada pelos
matizes de verde e pelas hortênsias, denuncia o vulcão por ora adormecido sob o
silêncio azul do manto da lagoa.
O fogo... a essência de São Miguel.
O avião já se faz à pista adornando a descida com uma vénia
ao Senhor Santo Cristo no seu altar barroco de basalto e cal.
E por mais que as nuvens insistam em desenhar monstros
à superfície do mar, eu sei que este Atlântico sob os meus pés preservará
sempre a sua essência feita de água e do sal que perfuma, incessante, as manhãs
de bruma nas praias destas balsas de terra e fogo, pedaços flutuantes de
Portugal.
As nuvens, tal como às vezes sobre os nossos dias,
incapazes de calarem a essência de poetas de onde se desprendem lendas e
detalhes de encantar.
Aterrámos finalmente, e a D. Maria, sentada ao meu
lado, assinala a travagem com o sinal da cruz, cumprindo no olhar a essência
que lhe vem do mar.
Só quem não conheça a saudade pode estranhar que se
chore assim.
Contou-me há pouco que passou a noite a voar desde o
Canadá, e teve de ir espreitar o Tejo porque os voos directos estão esgotados.
Todos querem chegar a tempo da festa do Santo Cristo.
- Vivo há mais de quarenta anos em Toronto e nunca
falho.
Ajudo-a com a mala pesada antes de se despedir de mim
e de desejar boa sorte para o meu trabalho.
Gosto da gente que traz a terra onde nasceu colada à
voz. E mesmo ao fim de quarenta anos...
- "Adeis mê senhô".
E o fogo do vulcão resplandece na voz e na alma da
gente que por ser poeta ousa saber crer nos milagres.
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