Nós somos da fé e da alma...
Atrás
de mim sinto as estrelícias a espreguiçarem-se ao sol, enquanto um velho
tocando acordeão se aproxima da minha espera: o chá de jasmim teima e não
arrefece.
O
som da moeda sobre o fundo da lata de atum de conserva vazia e já ferrugenta
parece alinhado com a partitura transparente deste anónimo Piazzolla que hoje
veio rasgar-me o silêncio.
A
cidade está cheia de Santos, criaturas improváveis, Anjos erguidos e caminhando
assim entre as flores e o sol de um quase meio-dia decalcando letras sobre as
folhas vazias dos poetas.
Nós
somos da fé e da alma, da eternidade e dos sepulcros vazios…
Que
importará o vento que disperse as nossas cinzas e a forma e o género dos corpos
que dão gesto ao amor que sentimos?
Nós
voaremos sempre para lá do horizonte que os ciprestes desenham em pose triste,
para lá do Gólgota onde as cruzes adormecem sob o pó dos entardeceres de
Jerusalém.
As
capelas onde nos sepultarem encerrarão sempre uma ilusão do Deus que nos abraça
em cada entardecer e a quem rezamos com a cumplicidade do mar.
E
os nossos beijos serão sempre muito mais do que o pragmático encontro dos
lábios que suspenderam por instantes as palavras, serão a casa para onde o amor
trouxe a vida toda.
Enquanto
os Anjos tocam pela cidade.
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