Quanto mais verde é a erva, mais rubra se faz a papoila…



O meu pai é adepto do Sporting, e se acaso vos surpreende o tempo verbal que utilizo nesta afirmação, esforcem-se por entender a relação muito próxima que a fé e o amor têm com a eternidade.

Cresceu o pequeno grande Artur numa família de Benfiquistas, mas inspirado pelo padrinho, mestre barbeiro com quem aprendeu o ofício, e por cinco jogadores do Sporting reconhecidos pelo seu magistral acerto de violinos, acabou adepto e sócio dos Leões.

Quando eu nasci, em minha casa havia um azulejo com o símbolo do clube de afeição do meu pai, que vinha a Alvalade ver alguns jogos, e me levava bandeirinhas e cachecóis verdes e brancos.

Em vão.

Por inspiração do meu tio José Boquinhas, e sobretudo por um senhor de nome Eusébio da Silva Ferreira, eu não me lembro de jamais ter torcido por outro clube que não o Benfica.

O meu irmão nasceu cinco anos depois de mim e seguiu-me o gosto.

Não me recordo de o meu pai nos ter contrariado nesta futebolística afeição. É claro que havia gente que o questionava sobre tal, e que também nos questionam a nós, ainda agora, mas, perdoem-me o considerando, é gente menor e com défice de inteligência emocional.

Quem é grande não teme o confronto de ideias e de paixões, quem é inteligente, reconhece e entende o elevadíssimo valor que tem a diversidade.

Brincávamos muitas vezes com as questões do futebol, e ainda tenho uma carta, daquelas que trocava com os meus pais quando vim para Lisboa no início dos anos oitenta, em que, por certo em resposta a alguma provocação minha, o meu pai escreveu:

“Não te moas porque no próximo fim de semana, o Paulinho da cobra venenosa te fará a barba no alguidar inteiro”, numa alusão ao Paulinho Cascavel e ao fecho do terceiro anel do Estádio da Luz.

Picardias que nos faziam rir, que nunca ofendiam, até porque nesse tempo usávamos torcer pelas equipas Portuguesas quando jogavam com as estrangeiras, e eu o acompanhava a Alvalade em muitos dos jogos que o pai vinha ver, aproveitando sempre para me trazer uma encomenda com bolos fintos e broas.

Telefonávamos uns aos outros a felicitar-nos por alguma vitória importante, e mesmo depois dos célebres 6-3 de Alvalade, o meu pai, então num congresso da ANAFRE, em Braga, ligou para nos dar os parabéns.

Ainda o meu irmão era estudante e inscrevemo-lo como sócio do Benfica, com o meu pai a pagar-lhe as quotas.

Mais tarde era o meu irmão a ir ao Sporting pagar-lhe as quotas, e quando a final da Taça UEFA se realizou em Alvalade, o meu irmão abdicou do bilhete para que o pai Artur fosse ver o seu clube na companhia da nora, que também alinha pelo verde.

Por também gostarmos de vestir a mesma camisola, e por ela ser precisamente verde e encarnada, fomos muitas vezes ver a seleção: em quase todos os jogos do Euro 2004, em Colónia, Alemanha para o Portugal-Angola do Mundial de 2006, em Genebra, Suíça, para o Portugal – República Checa do Euro 2008.

Nos anos do tetra do Benfica, eu e o meu irmão celebrávamos o título no Estádio da Luz com um abraço, e mandávamos uma foto para o pai, que tinha um telefone algo rudimentar, mas conseguia receber mensagens.

Ele ligava-nos depois, e sem que fosse necessário dizê-lo, liamos-lhe na voz que qualquer incómodo pela cor das camisolas, era largamente ultrapassado pela alegria de ver os filhos unidos e felizes.

Não foi em vão que comecei por falar de amor.

E para lá do amor, tudo se faz tão breve e tão supérfluo.

Ontem vi o fim do Sporting – Boavista e senti saudades de ligar ao meu pai para poder dar-lhe um beijo de parabéns, mas porque também comecei por falar de fé, sei que ele vibrou com o título de campeão do seu Sporting, sentado numa nuvem em forma de poltrona, talvez a praguejar contra algum jogador mais lento, como costumava fazer com o Pedro Barbosa e o William Carvalho.

Mas no final comemorou, e bem, porque a coisa foi muito bem merecida.

Num dia desta semana fiz a foto que ilustra este texto, e onde é fácil entender que quanto mais intenso é o verde, maior se faz o poder rubro da papoila, porque tudo na vida nasceu para somar.

Quando eu deixar de olhar desta forma para o futebol e para tudo o mais, deixarei de ser eu. Tenho o orgulho de ter aprendido com o meu pai a ser assim.

E um abraço de parabéns aos amigos do Sporting.

 

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