Olisippo prodigialiter estas
Gosto
deste cheiro a verão que a manhã me oferece quando abro a porta e saio de casa.
Os sentidos, todos eles reunidos, dispensam o termómetro e garantem-me que os
quarenta graus serão hoje uma realidade.
O
humor eleva-se automaticamente e quando entro no carro e ligo o rádio, não
resisto a deixar-me embalar pelos Xutos & Pontapés, agarrando-me à voz do
Tim para com ele cantar o “Mundo ao Contrário”. Muito a propósito.
A
crise, o preço dos combustíveis ou as férias de verão, libertaram a A5 e dez minutos
são suficientes para que o Túnel do Marquês me conduza à Rotunda, a esta hora
ainda sem trânsito e sem gente.
Paro
no semáforo, olho o Parque à esquerda e a Avenida que à direita nos oferece a
cor e a luz dos indícios de Tejo.
Lisboa
no verão, a minha cidade ou a cidade perfeita.
Subo
a colina de “A Canção de Lisboa” e chego ao Campo Santana.
O
Dr. Sousa Martins continua no seu pedestal e abaixo, perdida no mar das lápides
de pedra dos seus devotos, uma mulher deixa levar-se pela fé, imperturbável à
passagem das ambulâncias que passam para “alimentar” o Hospital de S. José, ali
tão perto.
É
cedo, demasiado cedo, e atraído pelo prazer e conforto da cafeína, entro na
primeira pastelaria que vejo aberta.
Saúdo
os presentes, três pessoas, e sinto o gosto único de entrar naqueles
estabelecimentos, típicos nos bairros da cidade, que são salas de visita da
família lisboeta.
Estão
todos na casa dos sessenta anos, os dois funcionários e a cliente, que percebo,
pagou com a bica, o preço da portagem para uma manhã longe da solidão do seu
domicílio.
Os
funcionários, alinhados atrás do balcão, têm ambos bigode e é pela cor deste
último, natural e sem artifícios, que reforço a ideia do abuso do Restaurador
Olex com que fiquei logo que olhei para as suas cabeças. Vestem camisas de cor
branca, limpíssimas, mas daquelas que de tantos anos de máquina de lavar, já
ganharam o estatuto da quase transparência.
Falam
animadamente da inauguração da estação de metro do aeroporto, que hoje ocorre,
e por aí se deixam levar até à beleza das nossas estações de metro, o conforto
das carruagens, a forma como a juventude destrói e suja os assentos e as
paredes das mesmas, as máfias de imigrantes que actuam em roubos mais ou menos
violentos e que têm um campo de treinos algures no país:
-
Não se sabe onde, mas a polícia anda a investigar.
Afirma
um dos funcionários.
-
Será por certo num daqueles sítios no Alentejo onde nunca ninguém vai.
Sugere
a mulher.
Há
muito que buscam a minha cumplicidade através dos constantes olhares, e me convidam
a entrar na conversa, mas esta história do campo de treinos das máfias de leste
ser no Alentejo, pôs-me definitivamente em silêncio.
Que
mania esta a de considerarem a minha planície, o “faroeste” nacional? Afinal de
contas a história do deserto a sul do Tejo não foi uma ideia isolada.
Entretanto,
não entram mais clientes na pastelaria, mas os homens estão de pinças de bolo
em riste, preparados para atender uma multidão de seres que lhes possa
hipoteticamente entrar pela casa dentro. Fazem movimentos desnecessários que
expressam nervosismo, como se os corpos rotinados em manhãs de balbúrdia,
estivessem em abstinência de uma rotina de atendimento de casa cheia, que esta
manhã de pré-Agosto definitivamente não lhes pode oferecer.
Um
deles, o da preocupação com a limpeza das carruagens do metropolitano, pousa
por momentos a pinça e colocando o pé sobre uma grade de cerveja que está por
debaixo do balcão, ajeita a meia, repetindo depois o gesto com o outro pé,
antes de voltar a pegar na pinça.
Entra
finalmente um outro cliente e o homem da peúga ajeitada não perde tempo:
-
Bom dia amigo, o que é que vai ser?
-
Bom dia. Uma bica cheia e um Pão de Deus com fiambre…
Olho
em volta, expresso um bom dia e saio finalmente da pastelaria devolvendo-me á
luz da cidade.
Lisboa.
Na cor, no sol, no Tejo e na gente, definitivamente, a cidade do meu
verão.
No verão como em todas as estações ,o que importa é o calor ,não o do sol mas o das pessoas .
ResponderEliminarÉ isso que nos faz sentir em casa, na nossa casa .
RUI PEREIRA